Decisão do TJDFT reconhece dano moral coletivo e impõe multa de R$ 150 mil ao ex-presidente por violações de direitos fundamentais
Porto Velho, RO – A 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) deu provimento, por maioria de votos, à apelação interposta pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) contra sentença que havia negado pedido de indenização por danos morais coletivos contra o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro.
A decisão, proferida em 24 de julho de 2025, em sessão presidida pelo Desembargador Fábio Eduardo Marques, mas com voto divergente prevalente da relatora designada Desembargadora Maria Leonor Aguena, reconheceu a prática de atos ilícitos envolvendo o uso indevido da imagem de crianças e declarações de conotação sexual sobre adolescentes venezuelanas durante a campanha eleitoral de 2022.
De acordo com os autos, a Ação Civil Pública foi ajuizada pelo MPDFT após a divulgação, por membros da equipe de campanha de Bolsonaro, de vídeos e imagens de crianças que participaram de um passeio escolar ao Palácio do Planalto. Embora os responsáveis tenham autorizado a gravação para fins institucionais ligados à Copa do Mundo, o Ministério Público alegou que o material foi utilizado com finalidade político-eleitoral, sem novo consentimento. Além disso, o órgão apontou que Bolsonaro teria feito comentários sobre adolescentes migrantes venezuelanas, associando-as à exploração sexual com expressões como “bonitinhas” e “pintou um clima”.
Na primeira instância, o pedido foi julgado improcedente pela 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF. A sentença considerou que as imagens haviam sido captadas com autorização e que não havia provas de que o conteúdo foi utilizado em campanha política. Também entendeu que as declarações sobre adolescentes venezuelanas representavam uma crítica à crise social e humanitária daquele país, sem intenção discriminatória ou sexualizante.
Inconformado, o MPDFT recorreu ao TJDFT, reiterando a tese de violação a direitos fundamentais da infância e juventude. Para o órgão ministerial, o uso das imagens das crianças fora do contexto autorizado, em combinação com a vinculação a gestos violentos (como a simulação de “arma” com as mãos), configurou ato ilícito. Quanto às falas sobre adolescentes, o Ministério Público sustentou que houve “associação direta entre aparência e disponibilidade sexual”, o que teria reforçado estigmas de gênero e preconceitos contra grupos vulneráveis.
Relatora designada no julgamento, a desembargadora Maria Leonor Aguena divergiu do relator original, votando pela procedência do recurso. Em seu voto, ela destacou que “a veiculação das imagens infantis por agentes diretamente vinculados à campanha do recorrido, em ano eleitoral, extrapola a finalidade institucional e configura estratégia de promoção política, sem consentimento específico das famílias”. Ainda segundo a relatora, a exploração da imagem infantil nesse contexto “viola diretamente o direito constitucional de orientação política das famílias”.
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Sobre as declarações em transmissão ao vivo, Aguena entendeu que “a fala do recorrido ultrapassou os limites da liberdade de expressão ao atribuir conotação sexual a adolescentes em situação de vulnerabilidade”. A magistrada também frisou que “a presunção de dano decorre do próprio uso indevido da imagem e do discurso estigmatizante”, não sendo necessário comprovar prejuízo concreto.
O colegiado acompanhou a divergência por maioria de votos, vencidos o relator Fábio Eduardo Marques e a desembargadora Lucimeire Maria da Silva. A decisão fixou indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 150 mil e proibiu Bolsonaro de utilizar imagens de crianças e adolescentes sem autorização expressa dos responsáveis, bem como de incitá-los a gestos violentos ou associá-los a conteúdos com conotação sexual.
A tese firmada no acórdão estabelece quatro pontos principais:
1. O uso de imagens de crianças em contexto político-eleitoral, sem autorização específica dos responsáveis, configura violação de direitos da personalidade e enseja reparação por dano moral coletivo;
2. A incitação de crianças a gestos com conotação violenta configura ato ilícito;
3. Declarações públicas que sexualizam adolescentes em situação de vulnerabilidade ultrapassam os limites da liberdade de expressão e geram dano moral coletivo;
4. O dano moral coletivo independe da individualização do prejuízo, bastando a demonstração de conduta ilícita com repercussão social negativa.
A decisão faz referência a dispositivos constitucionais, ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), à Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança e a julgados do STJ e do STF.
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0700923-71.2023.8.07.0013_74334061-1




