Apesar de avanços legais, milhões de crianças brasileiras seguem à margem de políticas públicas eficazes; mês da Primeira Infância propõe reflexão e ação imediata
Imagine construir um país começando não pelos arranha-céus, mas pelo alicerce mais íntimo: o colo. Pois é exatamente ali, no abraço de uma mãe, no olhar atento de um cuidador, na escuta gentil de um agente público, que começa o Brasil que queremos.
Esse texto é escrito no contexto de agosto, mês dedicado à Primeira Infância (Lei 14.617/2023).
Desde a Constituição Federal de 1988, o Brasil escolheu — pelo menos no texto da lei, priorizar suas crianças. No artigo 227, lá está escrito com todas as letras: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação…”
Um compromisso ético e político!
Mas o papel só se transforma em política concreta quando os direitos ganham braços, pernas, orçamento e gente para executar.
Foi esse o passo que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) deu em 1990.
Ele traduziu a prioridade abstrata em garantias concretas, do pré-natal ao brincar, da creche ao conselho tutelar.
Depois disso, o Brasil acumulou marcos legais importantes.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996) reconheceu a educação infantil como a primeira etapa da formação básica.
A Lei Orgânica da Saúde garantiu atenção integral desde o nascimento.
E a LOAS (Lei nº 8.742/1993) tornou possível o amparo financeiro a crianças com deficiência em situação de vulnerabilidade.
Mas foi apenas em 2016 que demos nome, sobrenome e identidade a esse compromisso: nasceu o Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257).
Uma obra magna do bom senso e da boa política pública.
A lei reconhece que os primeiros seis anos de vida são decisivos para o desenvolvimento emocional, físico e cognitivo de uma pessoa.
Mais que isso: propõe que as políticas públicas saiam de suas caixinhas. Que saúde, educação e assistência conversem entre si!
Essa lei também trouxe inovações que pareciam ousadas, embora necessárias.
Valorização da paternidade, ambientes adequados, escuta qualificada da criança, formação de profissionais, atenção especial aos mil primeiros dias de vida…
AS ÚLTIMAS OPINIÕES
É como se o Brasil tivesse olhado para sua infância com olhos de futuro, e não apenas de urgência!
Em 2023, esse olhar ganhou um calendário: nasceu a Lei nº 14.617, que institui agosto como o Mês da Primeira Infância.
Uma chance simbólica (e prática) de lembrar que a criança não pode esperar a próxima eleição, o próximo orçamento, o próximo governante.
As crianças e a infância precisam de atenção agora.
Na teoria…: um arcabouço robusto
A partir dessas leis, aprendemos que a política para a primeira infância não é caridade ou generosidade: é estratégia nacional.
Um país que investe nos primeiros anos economiza bilhões em saúde mental, evasão escolar, violência, desemprego.
A ciência já prova o que os corações parentais comprovam: o afeto precoce, a nutrição adequada, o brincar livre e a proteção social moldam o cérebro e a cidadania.
Na prática: a realidade que os números revelam
Mas como essa estrutura legal se traduz na vida das famílias brasileiras?
A resposta está nos dados, e eles contam uma história complexa.
O retrato atual:
– 18,1 milhões de crianças de 0 a 6 anos no Brasil (8,92% da população)
– 2,3 milhões vivem em domicílios com renda insuficiente para suprir as calorias diárias (11%)
– 12% das crianças de até cinco anos apresentam suspeita de atraso no desenvolvimento
O desafio da implementação:
– Apenas 26,6% dos municípios brasileiros têm um Plano Municipal pela Primeira Infância
– No Ceará, esse percentual chega a 98% revelando que é possível, mas não é automático
Esses números mostram não apenas diferenças regionais, mas a distância entre leis robustas e prática efetiva.
Muitos territórios ainda não conseguem transformar direitos em ações estruturadas e integradas para as crianças pequenas.
No entanto, há uma distância entre as leis e as calçadas. Basta visitar uma creche sem estrutura, um posto de saúde sem pediatra, uma comunidade sem saneamento.
A criança brasileira ainda é muitas vezes estatística antes de ser prioridade.
É por isso que o desafio da primeira infância não é jurídico, é ético. Não é apenas planejar, é todo o cuidar.
Descomplicando: a primeira infância é o único tempo da vida em que cada segundo conta para sempre. Cada toque, cada estímulo, cada cuidado.
E se quisermos mesmo construir um Brasil mais justo, seguro e humano, não há outro caminho: é pelo começo que se começa.
