OPINIÃO
O retrocesso de Rondônia nos direitos das pessoas com deficiência

Medida gera controvérsia ao reforçar barreiras e excluir grupos, destacando retrocesso em políticas de inclusão em Rondônia

Por Giovanna De Lucas Mar - segunda-feira, 20/01/2025 - 08h46

Conteúdo compartilhado 360 vezes

A recente Nota Orientativa nº 1/2025, emitida pela Secretaria de Estado de Finanças de Rondônia (SEFIN), representa um preocupante retrocesso nos direitos das pessoas com deficiência no estado.

Sob o pretexto de regulamentar a isenção de IPVA para cidadãos com deficiência, o que nunca foi efetivado e assegurado no Estado, a medida não apenas reforça barreiras administrativas e atitudinais, mas também perpetua práticas discriminatórias e capacitistas.

Em um momento em que o Brasil deveria avançar em acessibilidade e inclusão, Rondônia caminha na direção oposta.

Erros conceituais e terminológicos

Logo de início, a nota evidencia o uso anacrônico e equivocado do termo “portador de deficiência”, que deveria estar há tempos aposentado. A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), ratificada pelo Brasil com força constitucional, utiliza o termo “pessoa com deficiência”, reconhecendo a deficiência como parte da diversidade humana e rejeitando o estigma implícito em conceitos ultrapassados.

Referir-se a alguém como “portador” implica uma carga transitória, desumanizando e obscurecendo a luta por dignidade e igualdade.

Se a linguagem reflete as intenções de uma política pública, o uso inadequado desse termo já indica um distanciamento dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

Capacitismo e exclusão de autistas

Um dos pontos mais críticos da nota é a exclusão de autistas que possuem CNH do direito à isenção do IPVA. A justificativa implícita é tão absurda quanto cruel: pessoas autistas que são aptas a conduzir veículos não teriam “incapacidade suficiente” para justificar o benefício fiscal.

Essa disposição é uma manifestação de capacitismo institucionalizado — a presunção de incapacidade baseada em estereótipos — e viola frontalmente o princípio da não discriminação, garantido pela CDPD, pela Lei Berenice Piana e pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Ao tratar autistas de forma diferenciada, a medida não apenas desconsidera as necessidades individuais de cada pessoa, mas também reforça um modelo ultrapassado que segrega e cria subcategorias de direitos.

Esse tipo de discriminação é inaceitável em qualquer sociedade que aspire à igualdade.

Barreiras administrativas e a falta de transparência

Além das disposições discriminatórias, a nota impõe barreiras administrativas que dificultam o acesso de pessoas com deficiência ao benefício fiscal.

A exigência de laudos específicos emitidos exclusivamente pelo DETRAN/RO é um exemplo gritante. Essa prática ignora a autonomia dos profissionais de saúde e a liberdade das pessoas com deficiência de escolherem seus médicos e especialistas.

O problema é agravado pela falta de transparência pública nos processos do DETRAN e da SEFIN. Informações básicas, como a lista de profissionais habilitados, horários e fluxos de atendimento, não estão disponíveis nos portais oficiais, configurando uma violação ao princípio constitucional da publicidade e um obstáculo injustificável.

Método de elaboração: excludente e antidemocrático

Outro ponto alarmante é o método de elaboração da nota.

A ausência de consulta pública, escuta técnica ou participação popular revela um desrespeito aos princípios democráticos e à gestão participativa.

A política pública para pessoas com deficiência deve ser construída com as pessoas com deficiência, respeitando o princípio da participação plena e efetiva previsto na CDPD.

O caminho para a inclusão

A resposta a esses retrocessos deve ser firme e baseada em direitos humanos. A Nota Orientativa nº 1/2025 deve ser revogada integralmente e reformulada, levando em consideração:

  1. A necessidade de simplificação administrativa e ampliação da aceitação de laudos médicos emitidos por profissionais qualificados.
  2. O reconhecimento da diversidade das deficiências, sem criar subcategorias ou exclusões arbitrárias.
  3. A implementação de processos transparentes, com informações claras e acessíveis à população.
  4. A promoção de uma escuta ativa, com a participação de pessoas com deficiência e especialistas na formulação de políticas públicas.

Uma sociedade que deixa ninguémpara trás

O Brasil assumiu compromissos importantes ao ratificar a CDPD e ao aprovar o Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Essas conquistas são pilares de uma sociedade que busca inclusão, equidade e justiça. Rondônia, no entanto, dá um passo atrás ao adotar medidas que violam esses princípios.

A luta por direitos humanos é, acima de tudo, uma luta por dignidade. As pessoas com deficiência têm o direito de viver com independência, igualdade de oportunidades e sem discriminação.

Rondônia precisa urgentemente corrigir seu curso e demonstrar que o estado não compactua com práticas discriminatórias. A inclusão não é um favor; é um direito.

AUTOR: GIOVANNA DE LUCAS MAR





COMENTÁRIOS: