Decisão da 1ª Câmara Criminal acolheu tese da defesa sobre falta de clareza na legislação sobre o cogumelo Psilocybe cubensis
Porto Velho, RO – A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul (TJMS) absolveu, por unanimidade, um homem acusado de tráfico de drogas. A decisão foi proferida no dia 3 de abril de 2025, em julgamento do processo n.º 0816088-38.2021.8.12.0001, e teve como relatora a desembargadora Elizabete Anache. O recurso defensivo teve como base principal a tese de erro de tipo, acolhida pelo colegiado.
O acusado havia sido condenado em primeira instância a 6 anos, 9 meses e 20 dias de reclusão, além de 680 dias-multa, por ter remetido pelos Correios, entre os dias 6 e 7 de outubro de 2020, cogumelos desidratados da espécie Psilocybe cubensis, conhecidos popularmente como “cogumelos mágicos”. O caso também envolvia o envio de seringas com esporos e outras substâncias, das quais apenas os cogumelos apresentaram vestígios das substâncias psicoativas psilocina e psilocibina.
Durante o julgamento da apelação criminal, a relatora considerou que o fungo em questão não consta na lista de plantas ou fungos proscritos pela Portaria SVS/MS n.º 344/1998, da Anvisa, embora contenha em sua composição metabólitos que são considerados psicotrópicos proibidos no Brasil. “Não foi esclarecido de que forma haveria a obtenção de substâncias proscritas com a remessa de Psilocybe cubensis, ou seja, do corpo do cogumelo, de forma desidratada, sem processamento químico adequado e conhecimento técnico”, afirmou Anache em seu voto.
A defesa técnica sustentou que a conduta era atípica. Argumentou que “o fungo Psilocybe cubensis não se encontra na ‘lista de plantas proscritas que podem originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas’” e que “não houve extração/isolamento das substâncias proscritas”. Segundo a defesa, o acusado desconhecia técnicas laboratoriais para isolar as substâncias e entendia que a comercialização de cogumelos in natura não violava a legislação penal vigente.
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Nos autos, constam ainda declarações do acusado, que relatou ter sido diagnosticado com Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e depressão. Segundo ele, o uso dos cogumelos fez parte de um processo terapêutico, espiritual e alternativo de autoconhecimento. “O uso dos cogumelos Psilocybe cubensis representou imensurável qualidade de vida para mim”, disse durante o processo, destacando também que passou a ministrar cursos sobre cultivo e a enviar pequenas amostras aos alunos, como parte do material didático.
A relatora apontou ainda que a legislação vigente é “dúbia”, o que, segundo o entendimento adotado, configura erro de tipo essencial. “Qualquer pesquisador leigo chegaria à conclusão que pode haver o cultivo/venda/remessa do Psilocybe cubensis, mormente porque é encontrado com facilidade no comércio, não havendo violação do bem jurídico tutelado pela Lei n. 11.343/2006”, destacou Anache. O acórdão menciona diversos sites brasileiros que comercializam o cogumelo, como “Natureza Divina”, “PsiloShop” e “Professor Cogumelo”.
A decisão também cita manifestações técnicas, como a Nota Técnica do Departamento de Química da Universidade Federal Rural de Pernambuco, que reforça a dificuldade da extração dos compostos psilocina e psilocibina sem equipamentos e conhecimentos laboratoriais sofisticados. A relatora ainda fez referência a pareceres do Ministério Público Federal que, em casos similares, promoveram o arquivamento de investigações por ausência de elementos que configurassem crime.
Durante o processo, não houve mandado de busca e apreensão, e a atividade do acusado continuou sendo exercida mesmo após diligências da Polícia Federal. A decisão ressaltou esse ponto, argumentando que “o Direito não pode ser dissociado do mundo” e que, diante da falta de uniformidade na aplicação da norma penal em todo o território nacional, “não é tolerável que qualquer pessoa seja levada a crer que pode praticar certas condutas e depois ser surpreendida com condenação por crime equiparado a hediondo”.
Com base nos argumentos apresentados e nas provas constantes nos autos, a 1ª Câmara Criminal decidiu pela absolvição com fulcro no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, reconhecendo a inexistência de infração penal por erro de tipo. “A questão dos ‘cogumelos mágicos’ merece maior atenção por parte das autoridades públicas, mas não podemos ter medidas diversas em território nacional”, concluiu a relatora.
A decisão foi unânime, com votos favoráveis também dos desembargadores Lúcio Raimundo da Silveira e Jonas Hass Silva Júnior. A sessão foi presidida por Lúcio Raimundo da Silveira. O Ministério Público Estadual foi representado pelo promotor Alexandre Pinto Capiberibe Saldanha, que se manifestou pelo desprovimento do recurso.