Comissão aponta decretação irregular de 11 unidades de conservação, ausência de consulta pública, estudos frágeis e contratos de carbono nulos
Porto Velho, RO – Um dos relatórios mais consistentes da história recente da Assembleia Legislativa de Rondônia saiu das mãos de uma comissão parlamentar de inquérito que fez o que se espera de um órgão legislativo: investigar, sistematizar, comprovar. E entregar. São 129 páginas de evidências, relatos técnicos e proposições elaboradas pela chamada CPI das Reservas, instaurada para apurar a criação de unidades de conservação por decreto, em 2018, e a formalização de contratos de crédito de carbono com empresas privadas. Ao fim, o material não deixa espaço para abstrações: ou o Ministério Público, o Tribunal de Contas da União e demais órgãos avançam sobre o conteúdo, ou deixam de agir apesar dele.
Sob a presidência do deputado Alex Redano (Republicanos), atual presidente da Casa de Leis, o colegiado demonstrou firmeza institucional, equilíbrio na condução e domínio do assunto. Redano comandou uma comissão que soube separar a crítica à forma da crítica ao mérito. A criação de reservas ambientais é um tema sensível. Mas como equilibrar preservação com a presença humana? O relatório, ao menos, não esconde os conflitos. E deixa claro que houve vícios graves no processo.
“Documentos foram publicados sem assinatura do governador. Isso é um ato administrativo inexistente”, declarou um dos membros da CPI durante as reuniões. E não foi só isso. A comissão também apurou que os estudos técnicos que sustentaram os decretos foram reaproveitados em diferentes processos, com nomes de profissionais que, conforme depoimentos, sequer estiveram nos locais mencionados. Uma ex-servidora informou que os arquivos só foram inseridos no sistema oficial da SEDAM quatro anos após os decretos já estarem em vigor.
As audiências revelaram que comunidades inteiras, como as de Umirizal e Soldado da Borracha, não participaram de nenhuma etapa de consulta pública. Moradores foram surpreendidos pela criação das unidades e passaram a conviver com insegurança fundiária e restrições à própria sobrevivência. Nesse ponto, a CPI foi categórica: a figura jurídica escolhida — estação ecológica — não refletia a realidade social e fundiária das áreas atingidas. Outras formas de proteção, como as reservas de desenvolvimento sustentável, seriam mais adequadas.
AS ÚLTIMAS OPINIÕES
O relatório menciona nominalmente o ex-governador Confúcio Moura (MDB), hoje senador da República, autor do decreto que instituiu a Estação Ecológica Soldado da Borracha em 2010. A partir desse modelo, o governo seguinte ampliou a política de criação de unidades sem o cuidado técnico e legal necessários. A crítica, neste caso, não é à intenção de preservar — mas ao gesto burocrático que atropela a legalidade e ignora o rondoniense comum. Confúcio, ao que tudo indica, iniciou um movimento sem preparar o Estado para implementá-lo, nem garantir a participação do cidadão na sua execução.
Além disso, a CPI dedicou parte substancial de seu trabalho à análise de dois contratos de crédito de carbono. O primeiro, firmado com a Permian Brasil Serviços Ambientais Ltda., já foi declarado nulo judicialmente, e a comissão verificou que o Estado não recebeu contrapartida financeira pelo projeto. O segundo, com a Biofílica Investimentos Ambientais S.A., não pôde ser analisado em profundidade por falta de consultoria técnica especializada — mas a CPI recomendou que o processo receba o mesmo rigor investigativo. Em ambos os casos, o Estado figura apenas como interveniente, e as áreas envolvidas são justamente aquelas cujos decretos estão sob questionamento.
O relator Pedro Fernandes, ao lado do vice-presidente Jean Oliveira, articulou o conteúdo com precisão. Os demais membros — Cirone Deiró, Lucas Torres e Dra. Taíssa — também acompanharam as deliberações, compondo um colegiado plural que, neste caso, atuou com unidade. O resultado é um relatório robusto, que afunila os fatos e entrega os elementos necessários para que os órgãos de fiscalização e controle possam atuar. Se, mesmo após isso, as reservas forem mantidas por força jurídica, o Legislativo terá feito sua parte. Mas com esse volume de documentação, é possível que novas interpretações levem a correções ou mesmo reversões.
As 17 medidas propostas pela CPI vão desde auditoria completa dos atos até o cancelamento de CARs ilegais, passando pela suspensão dos efeitos dos decretos, revogação dos atos viciados, apuração de responsabilidades administrativas, criminais e civis, revisão dos limites das áreas e inclusão das comunidades atingidas nos debates de reformulação.
É importante sublinhar: não se trata de negar a importância da preservação ambiental. Mas de reconhecer que, em Rondônia, há pessoas afetadas diretamente por decisões tomadas a portas fechadas. O povo não pode ser tratado como obstáculo em nome de uma conservação idealizada — especialmente quando os próprios documentos técnicos não resistem à análise.
Relatorio-CPI-1Neste ponto, o trabalho da CPI foi impecável. Fica a expectativa para que, diferentemente da CPI da Energisa, esta não termine em pizza institucional. Porque a Energisa segue praticando abusos, mesmo após uma comissão inteira ter apontado seus excessos. O povo rondoniense não pode mais se dar ao luxo de investigar com profundidade e parar por aí. É hora de decidir: ou se age com base no que foi apurado, ou se admite que as CPIs servem apenas para constar no papel.
