Alta do dólar amplia ganhos de exportadores e investidores, mas penaliza trabalhadores e expõe fragilidades da economia brasileira
A recente disparada do dólar, que atingiu a marca de R$ 6,20 nesta terça-feira (17), tem reacendido o debate sobre os vencedores e perdedores em um cenário de moeda americana forte.
Enquanto setores específicos da economia colhem ganhos substanciais, o aumento da cotação da divisa escancara as fragilidades estruturais do modelo econômico brasileiro.
Exportadores na linha de frente
O setor exportador emerge como o maior beneficiado. Com a desvalorização do real, os produtos brasileiros ganham competitividade no mercado internacional.
Agronegócio, mineração e algumas indústrias são os grandes vencedores, já que suas commodities e bens manufaturados se tornam mais baratos em dólar, favorecendo o aumento das vendas externas. A lógica é simples: o que os exportadores recebem em dólar se traduz em mais reais, ampliando seus lucros.
Empresas como Petrobras, Vale e Embraer são exemplos emblemáticos, além do agronegócio, com destaque para as exportações de soja, milho e carne bovina.
Investidores especulativos e ativos seguros
Outro grupo de beneficiados são os detentores de capitais especulativos. Em cenários de incerteza econômica e política, a fuga de investimentos para ativos seguros, como o dólar e o ouro, intensifica a valorização da moeda norte-americana. Investidores estrangeiros, ao converterem seus ganhos para moedas fortes, encontram oportunidades lucrativas em um real fragilizado.
Além disso, investimentos em ouro e títulos do Tesouro dos Estados Unidos se tornam ainda mais atrativos, funcionando como refúgio em momentos de desconfiança fiscal e monetária.
Turismo receptivo: o Brasil barato para estrangeiros
A alta do dólar também beneficia o setor de turismo receptivo, uma vez que o Brasil se torna um destino mais barato e atrativo para estrangeiros. Com a moeda local enfraquecida, visitantes internacionais gastam mais, aquecendo o setor hoteleiro, a gastronomia e as cadeias produtivas ligadas ao turismo.
A disputa das classes sociais pela política econômica e cambial
A política cambial e econômica não é neutra: ela é fruto de disputas entre classes sociais que possuem interesses divergentes.
No caso brasileiro, essa disputa é acentuada pela estrutura econômica dependente e pelas contradições do capitalismo periférico.
Exportadores e grandes detentores de capital financeiro defendem um câmbio mais desvalorizado.
Esse grupo, formado majoritariamente pelo agronegócio, grandes empresas exportadoras e investidores em ativos estrangeiros, pressiona o governo para manter uma política cambial que garanta suas margens de lucro.
Lado outro, trabalhadores, consumidores e setores industriais dependentes de insumos importados sofrem com o dólar alto, que impulsiona a inflação e aumenta o custo de vida. Esses grupos defendem políticas que favoreçam o fortalecimento do real, como controle fiscal, redução dos juros e investimentos internos.
No cenário atual, o desequilíbrio de poder é evidente. Grupos exportadores e financeiros, que exercem forte influência no governo e no mercado, moldam a política econômica em favor de seus interesses.
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O governo, pressionado pela necessidade de evitar fuga de capitais e garantir superávits externos, acaba priorizando o ajuste monetário e cambial em detrimento do mercado interno e das políticas sociais.
Aqui, a perspectiva crítica expõe a dinâmica do capital que, em momentos de crise, encontra meios de se proteger e se expandir, enquanto a classe trabalhadora absorve os custos.
Já a abordagem keynesiana destaca a necessidade de um Estado forte para mediar essas disputas e implementar políticas que protejam a economia real e o mercado interno.
Os perdedores: indústria e trabalho
Por outro lado, a disparada do dólar impõe custos severos à indústria nacional, especialmente àquelas dependentes de insumos e tecnologia importada. O impacto se traduz em uma inflação crescente, que recai sobre os trabalhadores e as famílias de baixa renda.
O encarecimento de produtos básicos e combustíveis agrava as desigualdades sociais e reduz o poder de compra da população.
Aqui reside a contradição estrutural do Brasil: a valorização das exportações ocorre à custa da economia real fragilizada e de um mercado interno pressionado.
Uma visão estrutural da crise
Do ponto de vista econômico, a situação atual reflete tanto a incapacidade política de sinalizar um ajuste fiscal confiável quanto a dependência histórica do Brasil de exportações primárias.
A instabilidade monetária, alimentada pela desconfiança no pacote fiscal e no aumento da Selic, revela o dilema entre uma economia baseada em commodities e a necessidade de diversificação produtiva.
Sob uma análise keynesiana, o Estado deveria assumir um papel protagonista, com políticas públicas que equilibrem o mercado, reduzam a vulnerabilidade externa e priorizem investimentos estruturais.
Já a perspectiva mais crítica nos alerta para a contradição inerente: o capital financeiro e os exportadores lucram enquanto as classes mais desfavorecidas paga a conta, expondo a desigualdade sistêmica do modelo econômico.
Conclusão: ganhos concentrados e perdas difusas
Com o dólar a R$ 6,20, os grandes vencedores são exportadores, investidores em ativos seguros e setores atrelados ao mercado externo.
No entanto, o benefício desses grupos ocorre em detrimento da indústria nacional e dos trabalhadores, que sentem os efeitos inflacionários no dia a dia.
A alta do dólar, mais do que um fenômeno momentâneo e volátil, reflete as contradições econômicas e políticas que precisam ser interpretadas.
O entrelaçamento de políticas econômicas, cambiais e tributárias impõem ainda mais a demanda de serenidade e astúcia para a condução do tema: há uma disputa flagrante de interesses, nem sempre anunciados.
O desgaste político que tenta-se imputar ao Governo Federal pelo tema é outra nuance disfarçada. Nenhuma decisão é plena pelo Governo Federal e, mais que isso, nenhuma decisão agradará as forças nem tão invisíveis do Mercado.
AUTOR: VINICIUS MIGUEL