JURÍDICO DESCOMPLICADO
Mobilidade humana e mudanças climáticas: uma nova fronteira para os Direitos Humanos e a Justiça climática

A crise climática e o desafio jurídico atual

Por Vinicius Miguel - terça-feira, 31/12/2024 - 16h08

A crise climática é, sem dúvida, o maior desafio global contemporâneo.

Ela não apenas reconfigura ecossistemas e geopolíticas, desestrutura sociedades e agrava assimetrias econômicas.

O impacto sobre a mobilidade humana, em particular, revela as dimensões econômico-sociais e jurídicas desse fenômeno, exigindo respostas coordenadas.

Nesse contexto, a recém-publicada Resolução No. 2/24 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), de 26 de dezembro de 2024, representa um passo histórico ao reconhecer a mobilidade climática como uma questão que demanda proteção jurídica internacional e mecanismos institucionais de resposta.

  • Resolução Nº. 2/24: Um Marco Jurídico para a Proteção Climática e Humana

A Resolução Nº. 2/24 estabelece bases jurídico-internacionais para lidar com a complexidade dos deslocamentos climáticos.

Suas diretrizes transcendem abordagens emergenciais, propondo um modelo sistêmico e de longo prazo, centrado nos direitos humanos.

  1. Mobilidade Climática e Direitos Humanos

O documento reconhece o deslocamento forçado, a migração voluntária e a relocalização planejada como fenômenos diretamente associados às mudanças climáticas.

Estabelece a proteção complementar para migrantes climáticos, mesmo na ausência de um regime internacional específico, garantindo o princípio de non-refoulement (não devolução).

A resolução reforça a necessidade de uma abordagem equitativa, exigindo que os países historicamente mais responsáveis pelas emissões de carbono assumam compromissos reforçados no apoio técnico-financeiro aos Estados vulneráveis.

Essa perspectiva alinha-se ao princípio da responsabilidade comum e do dever de proteger.

A proteção deve ser diferenciada, reconhecendo as vulnerabilidades específicas de mulheres, crianças, idosos, indígenas, afrodescendentes, pessoas com deficiência e comunidades rurais.

A resolução adota uma abordagem interseccional, promovendo a inclusão de vozes marginalizadas nos processos decisórios e garantindo acesso prioritário a serviços essenciais.

Os Estados são instados a implementar sistemas de alerta precoce, criar bancos de dados e desenvolver estratégias de adaptação e mitigação.

A realocação planejada é vista como último recurso, devendo respeitar os princípios de consentimento livre, prévio e informado.

Desafios Jurídicos da/na Governança Climática Internacional

Apesar de seu caráter inovador, a Resolução Nº. 2/24 aponta desafios significativos para sua implementação.

O tradicional e clássico problema da adesão por Estados soberanos é uma questão permanente.

A escassez de informações sistematizadas compromete o planejamento e a execução de políticas públicas eficazes e dificulta a cooperação trasnacional.

A resolução propõe a criação de registros administrativos e bases de dados climáticos, que devem ser fortalecidos para garantir diagnósticos precisos e intervenções rápidas.

Outro aspecto é que Estados (ainda) tratam deslocamentos climáticos como problemas isolados, ignorando suas dimensões estruturais.

A resolução da CIDH/OEA incentiva a adoção de políticas nacionais de adaptação e mitigação, integrando planos de desenvolvimento sustentável e justiça social.

A ausência de mecanismos efetivos de participação comunitária nos processos de realocação representa um risco para a autodeterminação das populações afetadas.

A resolução propõe medidas para assegurar a inclusão de vozes locais e a construção de soluções colaborativas, o que é particularmente necessário para qualquer instrumento de planejamento obter legitimidade.

Grupos em Situação de Vulnerabilidade

A Resolução Nº. 2/24 reafirma a necessidade de abordagens diferenciadas para proteger populações expostas a riscos climáticos.

Adentram nessa temática a garantia contra violência de gênero e acesso a saúde e educação durante deslocamentos, o respeito às culturas tradicionais e direito ao consentimento prévio e informado.

A normativa traz a questão de Pessoas com Deficiência: Estruturas acessíveis e suporte personalizado para assegurar autonomia são lembradas.

Já a questão de Refugiados e Migrantes é anotada, devendo haver salvaguardas para regularização migratória e reconhecimento de status humanitário.

Essas medidas consolidam os princípios de justiça climática.

Concluindo sem finalizar: Mobilidade Climática e a Construção de um Novo Paradigma

A Resolução Nọ. 2/24 representa um passo para consolidar a justiça climática como um pilar do direito internacional contemporâneo.

Mais do que uma resposta emergencial, o documento inaugura um caminho para a construção de soluções duradouras, capazes de reconciliar os direitos humanos com a proteção ambiental.

A crise climática é também uma crise de direitos humanos.

A resolução da CIDH nos rememora que enfrentar seus impactos exige inovação e compromisso ético.

Cabem as governos nacionais e instituições políticas subnacionais, incluindo os municípios, pensarem e proporem as adequações e adaptações para a promoção de direitos humanos no âmbito dos deslocamentos climático-ambientais.

AUTOR: VINICIUS MIGUEL





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