COLUNA DO MONTEZUMA
A noite era uma criança no trevo do Roque

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Memórias da vida noturna de Porto Velho entre as décadas de 60 e 70 revelam o pulsar de boates lendárias, histórias de amor, música, prostituição e garimpos pagos a ouro bruto

Por Montezuma Cruz - sábado, 12/04/2025 - 09h15

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Boêmios e demais criaturas que frequentavam a noite da Capital rondoniense desfrutavam de excelentes casas noturnas entre as décadas de 1960 e 1970. O Seresteiro, de Valter Bártolo, reunia a nata de seletos cantores e grupos de admiradores. Destaco um dos capítulos do meu livro “Território dourado”.

O saudoso empresário conhecido por Pedrão foi ao mesmo tempo proprietário do lendário Restaurante Tucunaré e da Boate Cambuquira, providencialmente em frente ao primeiro na Rua Brasília. O ambiente à meia-luz, bem privê, ostentava luxuosos sofás, pufes; gentis garçons serviam batidas, cervejas e refrigerantes.

Algumas boates porto-velhenses atravessaram longos anos em atividades, outras fecharam as portas abrindo com outros nomes, outras desapareceram definitivamente. Três boates no trevo do Roque eram bem conhecidas por frequentadores de Porto Velho e de outros estados: Rio Mar, Paissandu e Copacabana.

Nelas aconteciam noites quentes de álcool, sexo e de amizades nascidas por imposições sociológicas, ou pela fraternidade de um prato de sopa no quiosque do Degas “plantado” na beira da rua enlameada.

Nelas o público conheceu o apogeu e a queda da zona do meretrício porto-velhense. DJs formados na própria cidade eram seres que compreendiam bem a alma porto-velhense, talvez “introdutores ao pecado”, graças ao festival de letras escolhidas a cada noite.

Mas que pecado era aquele tão envolvente e capaz de fazer mulheres amarem seus pares, e vice-versa.

A noite começava com Mon amour, meu bem, ma femme, na voz romântica e até fatal do pernambucano Reginaldo Rossi:

Nesse corpo meigo e tão pequeno
Há uma espécie de veneno
Bem gostoso de provar
Como pode haver tanto desejo
Nos seus olhos, nos seus beijos
No seu jeito de abraçar

Essa canção se repetiria umas duas ou três vezes na mesma noite atendendo ao público retardatário que se alegrava depois das 22h sem o pagamento de qualquer couvert. Aliás, nas boates do bairro do Roque, já se adentrava pagando a conta grossa. Preliminares, só no quarto.

As andorinhas voltaram, e eu também voltei – cantava o jornalista corumbaense Jorcêne Martinez sempre que frequentava a boate da Anita, onde encontrava moçoilas vindas de Cuiabá, Goiânia e Rio Branco. A canção é do Trio Parada Dura.

O vaivém de mulheres que viajavam de ônibus e avião entre aquelas cidades e Porto Velho rendia anúncios classificados em jornais, hoje totalmente fora de cogitação pelo direito da mulher e implicações legais, especialmente quando se tratava de menores traficadas Brasil adentro e para o Exterior.

Ô bom barqueiro, bom barqueiro
Dá licença de embarcar
Que eu não sou marinheiro
Mas quero navegar

A música de Carlos Santos parecia um prefixo com chamamento àqueles que saíam da sopa do Degas e estacionavam em rodas de conversa na porta da Boate Riomar. Garçons com calça preta, camisa branca e gravata borboleta circulavam nos quatro cantos da casa. Ao lado, a Boate Paissandu concentrava muitas mulheres moradoras próximas às saídas para Ariquemes e Guajará-Mirim, todas elas muito bem distinguidas por eles e cortejadas pelos pontuais clientes.

Lucicleia, minha amiga, se assim posso chamá-la depois de tantos colóquios e tantas décadas depois, frequentava as duas. Ela tinha um filho pequeno e morava ao lado da irmã numa casa de madeira a um quilômetro da ZBM, nos fundos de uma serraria. A irmã também se prostituía toda noite.

Terezinha, moradora numa pequena casa na saída para Guajará-Mirim, atraía atenções e arrebatava corações ao entrar na porta larga da Riomar trajando um belíssimo vestido amarelo. Os homens se deixavam seduzir também pela profusão de cores nas roupas das damas da noite, mesmo as colorações inteiriças estilo azul turquesa com ou sem decote. Mas uma parte das
mulheres seguia a “moda da época”, aquela saia brilhosa de couro, meias, botas e blusa curta amarrada no umbigo.

Músicas lembradas neste livro são aquelas que teimam ficar na lembrança, tantas vezes foram tocadas pelos DJs das boates.

Fernando Mendes, aquele jovem cabeludo mineiro que cantava Cadeira de rodas [1 milhão de cópias] também comovia os casais com A desconhecida:

Numa tarde tão linda de Sol
Ela me apareceu
Com um sorriso tão triste e olhar tão profundo
Já sofreu
Suas mãos tão pequenas e frias
Sua voz tropeçava também
Me falava da infância de lágrimas
Nunca teve ninguém
Nunca teve amor não sentiu o calor de alguém
Nem sequer ouviu a palavra carinho seu ninho, não existiu
Sinceramente eu chorei de tristeza
Ao ouvir
Tanta coisa que a vida oferece
Que a gente padece
Sem querer

A prostituição corria solta na cidade e nos garimpos Araras, Tamborete, Praia do Avião, Paredão, Embaúba, Morrinhos, Periquitos, Palmeiral, Praia do Avião, Sovaco da Velha e Vai-quem-quer alguns dos garimpos de ouro no Rio Madeira entre o final da década de 1970 e os anos 1980.

Os michês custavam entre duzentos e quinhentos cruzeiros, e nas barracas de lona na beira do rio eram pagos em pepitas de ouro pesadas com justiça. Da mesma forma, assim eram pagos estabelecimentos comerciais e advogados. Alguns deles colocavam micro balanças sobre mesas e balcões.
Mais adiante conto mais. Rs

AUTOR: MONTEZUMA CRUZ





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