Justiça Federal entendeu que piadas do show “Perturbador”, transmitidas em plataformas digitais, configuraram crimes de discriminação contra grupos vulneráveis
Porto Velho, RO – A Justiça Federal de São Paulo condenou o comediante Leonardo de Lima Borges Lins, conhecido como Léo Lins, a 8 anos, 3 meses e 9 dias de reclusão em regime inicial fechado. A decisão foi proferida pela juíza federal substituta Bárbara de Lima Iseppi, da 3ª Vara Criminal, em sentença publicada no dia 30 de maio de 2025. O humorista também foi condenado ao pagamento de 39 dias-multa e de R$ 303.600,00 por danos morais coletivos.
Léo Lins foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) com base nos artigos 20, §§ 2º e 2º-A da Lei nº 7.716/89 e no artigo 88, § 2º da Lei nº 13.146/2015. A acusação aponta que o réu praticou, induziu e incitou discriminação e preconceito por meio de seu show de stand-up intitulado “Perturbador”, publicado na plataforma YouTube e divulgado em redes sociais.
Segundo a denúncia, o conteúdo do espetáculo atinge diversos grupos vulneráveis, com falas que a Justiça classificou como depreciativas e discriminatórias contra negros, gordos, pessoas com deficiência, homossexuais, judeus, indígenas, nordestinos, evangélicos, idosos, entre outros. A magistrada ressaltou que a exibição pública do conteúdo e seu caráter artístico não afastam a ilicitude, e ainda agravam a conduta.
“É fato que o vídeo possui 1 hora, 14 minutos e 35 segundos de duração, e as falas transcritas nos autos provocam constrangimento, humilhação e reforçam estereótipos”, pontuou a juíza ao rejeitar os argumentos da defesa sobre ausência de dolo e quebra da cadeia de custódia da prova.
A sentença destacou ainda que os crimes foram praticados com dolo direto. A magistrada utilizou como exemplo trechos do próprio espetáculo em que o comediante admite o conteúdo preconceituoso: “Essa piada pode parecer um pouco preconceituosa. Porque é”, diz trecho do show transcrito nos autos.
Durante o processo, Léo Lins afirmou que suas apresentações são “ficcionais” e feitas com a intenção de provocar riso, não ofensa. “Costumo dizer que ali está no ambiente adequado. As pessoas entram por livre e espontânea vontade. É um espetáculo teatral”, declarou o humorista em interrogatório.
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Quatro testemunhas de defesa foram ouvidas, entre elas o deputado estadual Augusto Zacarias Corrêa Leite, que se declarou fã do artista. As testemunhas afirmaram não se sentirem ofendidas pelas piadas e defenderam que o conteúdo deveria ser interpretado no contexto do humor.
Apesar disso, a magistrada entendeu que, mesmo em ambiente de comédia, os discursos praticados por Léo Lins ultrapassaram os limites da liberdade de expressão. A sentença menciona que, embora o “animus jocandi” (intenção de fazer humor) tenha sido reconhecido no passado como atenuante, não pode hoje ser escudo para discursos de ódio.
“Trata-se de racismo recreativo”, argumentou a juíza, com base na Lei nº 14.532/2023, que passou a prever aumento de pena para crimes de discriminação cometidos em contextos de diversão ou atividades artísticas.
A pena foi agravada por ter sido praticada contra diversas coletividades e divulgada na internet, ampliando significativamente seu alcance. A magistrada destacou que, mesmo após suspensão judicial do vídeo, outras cópias do espetáculo seguem disponíveis no YouTube, com milhões de visualizações.
A decisão também fixou multa de R$ 303.600,00 a título de reparação por danos morais coletivos, levando em conta a extensão da repercussão e a renda mensal estimada do humorista, que varia de R$ 10 mil a R$ 100 mil, segundo suas próprias declarações.
O réu poderá recorrer em liberdade. A sentença ainda determina a expedição da guia de execução penal, a inclusão do nome do comediante no rol dos culpados e a comunicação da condenação aos órgãos competentes.
CONFIRA A SENTENÇA:
E00664E20D0E64_5003889-93.2024.4.03.6181