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COLUNA DO MONTEZUMA
Eba! Hoje tem Bruce Lee: garimpo festejava artes marciais e o terror do Zé do Caixão

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A história de Nilsinho e o Cine Embaúba revela como a sétima arte chegou aos garimpos do Rio Madeira nos anos 1980, misturando ouro, Bruce Lee, Zé do Caixão e strip-tease sob as luzes da floresta

Por Montezuma Cruz - quinta-feira, 05/06/2025 - 15h26

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MONTEZUMA CRUZ

Em Periquitos, o primeiro garimpo onde trabalhou, Nilsinho viu muito ouro em movimento. Falo de Eunilson Ribeiro, um dos personagens do meu livro Território dourado, que levou o cinema aos garimpos do Rio Madeira durante os anos 1980.  “Eu e muitos prepostos de grupos comprávamos na fonte; vi muitas vezes aviões fretados pelo Banco Central pousarem na pista do Aeroporto Belmont com milhões de cruzeiros acondicionadas em caixas de papelão”, ele conta. Essa situação antecedeu ao período em que decidiu enveredar pelo cinema 16 milímetros.

Nilsinho foi ligado à empresa Pini, Andrade & Gonçalves. Este último era diretor do Banco Mercantil de São Paulo S/A e casado com a filha do banqueiro Gastão Vidigal, simplesmente o dono. A agência em Porto Velho funcionava na Avenida Carlos Gomes.

“Imagine você, eu trabalhando para o genro do bilionário…até que o gerente da agência soube disso no ato dele abonar a minha assinatura. Aí, passou a me tratar como um rei, e sempre que eu voltava ali tinha tudo à disposição, afinal, em minha conta entrava toda semana o equivalente a dez quilos de ouro” – recorda.

Nilsinho emitia muitos cheques, e mesmo quando não tinha fundos suficientes, o banco pagava e o comunicava por telefone, acertando tudo nos depósitos seguintes.

Um longo trecho da Rua Campos Sales e outro trecho da Avenida 7 de Setembro concentravam dezenas de lojas de compra e venda de ouro, o que resultava num movimento incomum na Capital de Rondônia. “A mais famosa pertencia ao comerciante Edgar Queiroz”, opina Nilsinho.

“Eu fiz de tudo um pouco no garimpo e ele marcou a minha vida”, ele diz. Ali mesmo no Embaúba foi sócio-proprietário da empresa Dago e Nilson, um posto de gasolina e óleo diesel. Dormiam nos quartos de madeira e atendiam até de madrugada. No balcão vendiam bolos fabricados no Bar do Canto e ofereciam um serviço especial de comunicação por radiomamador modelo Yaesu que transmitia mensagens para outro aparelho instalado numa sala em Porto Velho.

Nesse lugar uma pessoa recebia o chamado do garimpo e o acoplado ao telefone que completava a chamada interurbana. “Outro sucesso, pois os garimpeiros localizavam parentes, amigos, esposas, namoradas, e o mundo ficava bem perto deles.”

Algumas histórias desse mundão amazônico ocidental antes da internet foram contadas por Nilsinho no filme documentário “Vozes da Memória”, dirigido por Raissa Dourado, filha dele. (Há indicação com link, no final deste texto).

Em sociedade com Dagoberto Freitas – hoje nos Estados Unidos – e Edmilson Lacerda, o “Baleia”, ele fundou o Cine Embaúba, o glamour da sétima arte para os garimpeiros nos anos 1980. Voltava de uma viagem ao Rio de Janeiro onde se inspirava no slogan: “Cinema também é cultura”, do empresário de cinemas Luiz Severiano Ribeiro. Mandou colocá-lo numa placa, fazendo ver aos garimpeiros que eles faziam parte daquele bom momento.

O ingresso custava um grama de ouro e a bilheteria faturava o tufo em todas as sessões. Os filmes vinham enlatados da distribuidora de Manaus, em aviões teco-tecos, pousando numa pista precária do garimpo Embaúba. Com o amigo sócio Dagoberto Freitas, Nilsinho adquiriu um projetor 16 milímetros, de segunda mão. Dagoberto é filho do notável engenheiro José Otino de Freitas, o idealizador do projeto do Palácio Presidente Vargas, ex-sede do Governo de Rondônia e hoje Museu da Memória Rondoniense.

Ao relento, o cinema era cercado por lona, não tinha teto, e assentava-se em um terreno de ladeira onde a posição dos bancos facilitava a visão de cada pessoa. “Compramos duas cornetas e instalamos lá no alto de uma árvore samaúma, de onde a voz do locutor Boquileo irradiava por todo o garimpo anunciando não apenas o cartaz cinematográfico, mas avisos de utilidade pública, e tocava muita música que os garimpeiros dedicavam para os amigos ou para as mulheres que os visitavam”, ele conta.

Nilsinho menciona nostálgico o nome de sua mãe, dona Jandira Gomes, esposa de Eunilson Ribeiro (pai), falecida aos 90 anos. “A tela eu fiz emendando três lençóis brancos que furtei dela, e é lógico que minha mãe deu falta e me passou uma esculhambação.”

Na estreia passou o filme “O roubo das calcinhas”, uma comédia pornochanchada brasileiro de 1975 dirigido por Sindoval Aguiar e Braz Chediak. Mas, segundo Nilsinho, os garimpeiros não gostavam muito desse estilo, preferiam mesmo as lutas de Bruce Lee que também passavam nos cinemas de Porto Velho, e adoravam o ator Zé do Caixão (José Mojica Marins).

Bruce Lee, nascido Lee Gunfam em 27 de novembro de 1940, foi um artista marcial, ator, diretor de cinema, roteirista e filósofo sino-americano amplamente reconhecido por ter popularizado as artes marciais no cinema ocidental durante a década de 1970. Verdadeira lenda do esporte e da cultura pop que morreu prematuramente em 20 de julho de 1973.

José Mojica Marins, diretor, ator, roteirista, o conhecido “Zé do Caixão’, teve tanto público quanto o comediante Mazzaropi. Personagem emblemático, ele é considerado pela crítica um dos precursores do gênero gore e do cinema de terror no Brasil.

“Foi sucesso total a exibição daquele filme chamado “À meia-noite levarei sua alma” e sua sequência: “Esta noite encarnarei no teu cadáver.” Os garimpeiros se banhavam, vestiam suas melhores roupas, e iam para o cinema; o vaivém na corrutela animava o comércio do Embaúba, formado por pequenos bolichos de utensílios de alumínio e plástico, açougues, restaurantes e farmácias, a exemplo de outros ao longo do Rio Madeira.

A história desse cinema teve outras mãos em originalidade, mesmo que tenham sido arregimentadas a fórceps por Nilsinho, ao surrupiar os lençóis do guarda-roupa da própria mãe. Essa ansiedade por ganhar algum dinheiro levando a diversão ao garimpo resultou em numeroso público que, na avaliação dele, comparava-se ao das sessões da tarde e da noite nos cinemas de Porto Velho.

Dona Jandira também criou Cláudia e Janari. Ela nasceu no seringal Canaã Central, hoje município de Ariquemes, e ali viveu décadas na terra herdada dos pais e que um dia foram arrendadas por um senador do Estado do Amazonas. Com isso, dona Jandira estudou em Manaus e teve esse político como padrinho.

“Minha mãe viajava de lá para cá pelo Rio Madeira, entrando pelo Rio Jamari, e para chegar ao Canaã trocava de barco perto da Cachoeira de Samuel, onde foi construída a primeira usina hidrelétrica do velho território federal”, lembra Nilsinho.

Na convivência com indígenas, dona Jandira aprendeu seus cânticos. A aventura cinematográfica dele no Embaúba.

Tudo durou enquanto pipocavam tiros de revólver e metralhadora na floresta numa disputa ferrenha entre grandes grupos e os verdadeiros donos do bamburro dourado. Grupos poderosos, apoiados pela força policial rondoniense, fizeram vários ataques às corrutelas a título de prender traficantes de drogas, assassinos, ou fugitivos da justiça de outros estados.

Findo esse período, Nilsinho se mudou para o garimpo do Teotônio, mais próximo de Porto Velho, imaginando repetir o sucesso do seu “cinema também, é cultura.” Montou o Cine Eldorado, mas se desiludiu, porque, ao contrário do distante Embaúba, os atrativos alcoólicos, alimentícios e as casas noturnas da Capital estavam a “um pulo” do Teotônio.

Toda noite eles se juntavam e iam para Porto Velho, onde encontravam restaurantes, cinema e mulheres à vontade. Pronto, ia embora o sonho empreendedor, da mesma maneira como outros sonhadores deixaram nas entranhas da memória seus pequenos comércios no Embaúba.

Antes de encerrar o ciclo do cinema, nosso personagem ainda viveu dias de euforia. Um delegado de polícia valia-se de suas relações com rufiões da prostituição para “importar” mulheres de Goiânia a peso de ouro, com estadia muito bem paga.

Antes de encerrar essa longa aventura ao longo do rio, numa noite Nilsinho e outros organizadores promoveram um show de strip-tease em clima de intenso empurra-empurra. Quando apagaram as luzes e o projetor iluminava as garotas no palco, eles se surpreenderam com os garimpeiros acendendo suas lanternas para não perder um só detalhe da dança.

“No dia seguinte, com as borocas cheias de dinheiro, a disputa entre eles foi grande: todos queriam escolher e sair com as mais bonitas, e todas elas eram bonitas”, acrescenta Nilsinho, um ser feliz com as lembranças de sua história – a história dos garimpos do Madeira.

AUTOR: MONTEZUMA CRUZ





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