Sem formação em jornalismo, Rato Andrade transforma sátira em ferramenta de crítica política e mostra que, em tempos de silêncio institucional, até uma sandália na mesa pode falar mais alto que o protocolo
Porto Velho, RO – A entrevista do influenciador Rato Andrade ao podcast Resenha Política, conduzido por Robson Oliveira, escancarou o quanto o humor tem ocupado um espaço de provocação legítima no debate público rondoniense — mesmo que ainda desperte desconforto nos bastidores do poder. E não se trata apenas de piadas casuais ou de esquetes para alimentar engajamento digital. É sobre narrativa, linguagem e, acima de tudo, sobre quem tem coragem de entrar onde a imprensa formal, por vezes, hesita.
Sem qualquer formação acadêmica em comunicação, Rato desenvolveu, por instinto, uma abordagem que mistura entretenimento e questionamento político. “Eu gosto muito de estar comentando, de estar ali observando a movimentação. Eu acho que a política de Rondônia engaja muito”, disse ao ser questionado sobre o envolvimento com a cobertura política. Ainda que se afaste de qualquer projeto eleitoral — “não quero, não tenho pretensão nenhuma” —, seu conteúdo alcança diretamente figuras públicas, muitas das quais tentam evitar seu microfone improvisado nas feiras, bastidores e eventos oficiais.
Um dos episódios mencionados no podcast exemplifica esse efeito: ao tentar gravar com o ex-prefeito Hildon Chaves, o político teria dado meia-volta ao avistar o influenciador. “O Hildon te viu, saiu correndo”, relatou Rato, entre risos. O episódio, embora tratado com leveza, revela o desconforto que a sátira pode provocar quando toca em pontos sensíveis — ou na vaidade política.
Mais simbólico ainda foi o caso do governador, que em anos anteriores teria recebido Rato com simpatia, até permitindo que o influenciador colocasse os pés sobre a mesa do gabinete. Mas, após críticas feitas por meio de vídeos e paródias, o convite para novo encontro não se repetiu. “Fiquei sabendo que ele ficou chateado mesmo com o vídeo”, disse, em referência à produção em que o chefe do Executivo estadual aparece de farda, em tom de ironia sobre segurança pública.
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Não há registros de ameaças ou confrontos diretos com políticos por conta das sátiras. Rato afirma que percebe a rejeição no olhar de alguns: “Pelo olhar, eu já sei que ela não vai com a minha cara”. Mas reconhece que até mesmo essa resistência é parte do processo. “Se eu tô sendo agradado por todo mundo, tem algo errado”, resume.
Sua personagem mais conhecida, a Ratielly — uma socialite exagerada que mistura bolsas falsas de grife com discursos que beiram o absurdo — tornou-se um avatar da crítica às vaidades e contradições da elite política e econômica local. Durante a feira Rondônia Rural Show, por exemplo, foi associada à deputada Ieda Chaves. “Ela viu. Pegaram a pior foto da coitada também, mas não pode comparar”, comentou.
Robson Oliveira, ao conduzir a entrevista, reconheceu o impacto das ações de Rato Andrade. Destacou a capacidade do influenciador em revelar, por meio da comédia, as contradições do sistema político. “Você tenta trazer isso de uma forma leve, mas termina fazendo um bom serviço à população”, afirmou.
No fim, a entrevista reafirma que, em um contexto político cada vez mais blindado, o humor funciona como brecha — uma porta lateral por onde escapam as verdades que nem sempre cabem em editoriais ou pronunciamentos oficiais. “Eu quero que [a Ratielly] fale o que o povo gosta de falar, só que não tem coragem”, resumiu o criador.
Se a política é, como dizem, o lugar da representação, talvez a sátira seja seu espelho mais incômodo. Porque ao rir da encenação, o público acaba enxergando o roteiro. E aí, como demonstram as sandálias sobre a mesa ou as bolsas da 25 de Março, a piada ganha contorno de denúncia e/ou escárnio — ainda que o riso venha antes da reflexão.
