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EDITORIAL
Quando o humor desafia o poder: o papel político da irreverência nas redes de Rondônia

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Sem formação em jornalismo, Rato Andrade transforma sátira em ferramenta de crítica política e mostra que, em tempos de silêncio institucional, até uma sandália na mesa pode falar mais alto que o protocolo

Por Informa Rondônia - quinta-feira, 19/06/2025 - 18h01

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Porto Velho, RO – A entrevista do influenciador Rato Andrade ao podcast Resenha Política, conduzido por Robson Oliveira, escancarou o quanto o humor tem ocupado um espaço de provocação legítima no debate público rondoniense — mesmo que ainda desperte desconforto nos bastidores do poder. E não se trata apenas de piadas casuais ou de esquetes para alimentar engajamento digital. É sobre narrativa, linguagem e, acima de tudo, sobre quem tem coragem de entrar onde a imprensa formal, por vezes, hesita.

Sem qualquer formação acadêmica em comunicação, Rato desenvolveu, por instinto, uma abordagem que mistura entretenimento e questionamento político. “Eu gosto muito de estar comentando, de estar ali observando a movimentação. Eu acho que a política de Rondônia engaja muito”, disse ao ser questionado sobre o envolvimento com a cobertura política. Ainda que se afaste de qualquer projeto eleitoral — “não quero, não tenho pretensão nenhuma” —, seu conteúdo alcança diretamente figuras públicas, muitas das quais tentam evitar seu microfone improvisado nas feiras, bastidores e eventos oficiais.

Um dos episódios mencionados no podcast exemplifica esse efeito: ao tentar gravar com o ex-prefeito Hildon Chaves, o político teria dado meia-volta ao avistar o influenciador. “O Hildon te viu, saiu correndo”, relatou Rato, entre risos. O episódio, embora tratado com leveza, revela o desconforto que a sátira pode provocar quando toca em pontos sensíveis — ou na vaidade política.

Mais simbólico ainda foi o caso do governador, que em anos anteriores teria recebido Rato com simpatia, até permitindo que o influenciador colocasse os pés sobre a mesa do gabinete. Mas, após críticas feitas por meio de vídeos e paródias, o convite para novo encontro não se repetiu. “Fiquei sabendo que ele ficou chateado mesmo com o vídeo”, disse, em referência à produção em que o chefe do Executivo estadual aparece de farda, em tom de ironia sobre segurança pública.

Não há registros de ameaças ou confrontos diretos com políticos por conta das sátiras. Rato afirma que percebe a rejeição no olhar de alguns: “Pelo olhar, eu já sei que ela não vai com a minha cara”. Mas reconhece que até mesmo essa resistência é parte do processo. “Se eu tô sendo agradado por todo mundo, tem algo errado”, resume.

Sua personagem mais conhecida, a Ratielly — uma socialite exagerada que mistura bolsas falsas de grife com discursos que beiram o absurdo — tornou-se um avatar da crítica às vaidades e contradições da elite política e econômica local. Durante a feira Rondônia Rural Show, por exemplo, foi associada à deputada Ieda Chaves. “Ela viu. Pegaram a pior foto da coitada também, mas não pode comparar”, comentou.

Robson Oliveira, ao conduzir a entrevista, reconheceu o impacto das ações de Rato Andrade. Destacou a capacidade do influenciador em revelar, por meio da comédia, as contradições do sistema político. “Você tenta trazer isso de uma forma leve, mas termina fazendo um bom serviço à população”, afirmou.

No fim, a entrevista reafirma que, em um contexto político cada vez mais blindado, o humor funciona como brecha — uma porta lateral por onde escapam as verdades que nem sempre cabem em editoriais ou pronunciamentos oficiais. “Eu quero que [a Ratielly] fale o que o povo gosta de falar, só que não tem coragem”, resumiu o criador.

Se a política é, como dizem, o lugar da representação, talvez a sátira seja seu espelho mais incômodo. Porque ao rir da encenação, o público acaba enxergando o roteiro. E aí, como demonstram as sandálias sobre a mesa ou as bolsas da 25 de Março, a piada ganha contorno de denúncia e/ou escárnio — ainda que o riso venha antes da reflexão.

AUTOR: INFORMA RONDÔNIA





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