Interceptações telefônicas e depoimentos sustentam decisão que impôs penas substituídas por prestação de serviços; valores mensais seriam pagos para manutenção de contratos com a Fino Sabor
Porto Velho, RO – Em decisão datada de 30 de junho de 2025, a 1ª Vara Criminal da Comarca de Porto Velho condenou Mirian Spreafico, Rômulo da Silva Lopes e Júlio César Fernandes Martins Bonache por crimes de corrupção relacionados à Operação Termópilas. A sentença, assinada pela juíza Roberta Cristina Garcia Macedo, atribuiu a Mirian e Rômulo seis crimes de corrupção passiva, enquanto Bonache foi responsabilizado por seis atos de corrupção ativa. Todos foram beneficiados com a substituição das penas privativas de liberdade por prestação de serviços à comunidade.
De acordo com a ação penal n.º 0006878-16.2014.8.22.0501, as investigações indicaram que, entre janeiro e junho de 2011, o empresário Júlio Bonache teria repassado valores mensais de R$ 20 mil a servidores públicos das secretarias estaduais de Justiça (SEJUS) e Saúde (SESAU), com o objetivo de assegurar a continuidade dos contratos da empresa Fino Sabor junto ao Estado, sem atrasos em pagamentos ou risco de rompimento contratual. Entre os destinatários das quantias estariam Mirian Spreafico, Rômulo da Silva Lopes e outros intermediários.
Interceptações telefônicas anexadas aos autos foram utilizadas como provas. Em um dos diálogos, Bonache tenta convencer Mirian a receber um intermediário seu, identificado como E., afirmando: “Se você quiser mergulhar dentro de uma piscina pelada, se quiser trepar num poste, de longe, não é armação não. Eu só preciso que você escute ele como se fosse eu”. A sentença contextualiza que o empresário buscava garantir que sua mensagem fosse ouvida por meio de um representante, sem precisar se apresentar pessoalmente.
Durante a fase de instrução, a servidora Andressa Maziero Zamberlan relatou ter ouvido diretamente do empresário que ele fazia os repasses mensais. Segundo ela, Mirian teria confirmado o recebimento de R$ 7 mil, enquanto ela própria recebeu R$ 3 mil. Rômulo, conforme o depoimento, ficaria encarregado da distribuição dos valores.
O delegado da Polícia Federal Ricardo Gurgel, que participou da investigação, descreveu a existência de uma estrutura organizada nas secretarias, voltada a dificultar procedimentos para posterior oferta de soluções mediante pagamento. Segundo ele, servidores e políticos, incluindo o então presidente da Assembleia Legislativa, Valter Araújo, estariam envolvidos.
Nos autos, Bonache apresentou versões diferentes ao longo do processo. Em uma das declarações, disse que, enquanto estava preso, Mirian teria ido até a unidade prisional, onde se reuniu com seu sócio e o diretor do local. “Ela foi até o presídio, reuniu-se com meu sócio e o diretor do presídio. Disse: ‘Da situação em que você está, vai continuar peitando a gente, querendo esse contrato?’”.
As defesas alegaram nulidades processuais, ausência de dolo e questionaram a validade das interceptações telefônicas. A magistrada rejeitou todos os argumentos preliminares e fundamentou sua decisão com base na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, aplicando o princípio da serendipidade.
As penas impostas foram de dois anos e oito meses de reclusão e 13 dias-multa para Mirian Spreafico e Rômulo da Silva Lopes. Júlio Bonache recebeu pena de dois anos de reclusão e 10 dias-multa. A pena pecuniária foi fixada em R$ 390,00 para Mirian, R$ 130,00 para Rômulo e R$ 300,00 para Júlio. O regime inicial de cumprimento foi o aberto, com permissão para recorrerem em liberdade.
AS ÚLTIMAS OPINIÕES
A decisão também determina que, após o trânsito em julgado, sejam realizadas comunicações ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE), ao Instituto de Identificação de Rondônia (II/RO) e ao Instituto Nacional de Identificação (INI), além da expedição de guias de execução penal conforme prevê a Resolução n. 417 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Trechos de interceptações telefônicas incluídas nos autos:
De acordo com os registros da interceptação realizada em 09 de setembro de 2011, às 13h24min59s, o empresário Júlio Bonache manteve o seguinte diálogo com a então secretária de Justiça de Rondônia, Mirian Spreafico:
[MIRIAN]: Alô
[JÚLIO]: Mirian?
[MIRIAN]: Oi, Júlio
[JÚLIO]: Minha secretária número um
[MIRIAN]: (Risos)
[JÚLIO]: Tá em Cacoal, querida?
[MIRIAN]: Tô em Cacoal
[JÚLIO]: Pense num cabra que tá morrendo de saudade de você. Conhece?
[MIRIAN]: (Risos) Eu imagino.
[JÚLIO]: Hein, você vem quando? Só domingo, né?
[MIRIAN]: Só domingo.
[JÚLIO]: Ah… tem um… você conhece o Edinei, que trabalha comigo ali? Chegou a conversar com ele lá na…?
[MIRIAN]: Não, não sei. Nunca vi ele, não. Não sei quem é ele, não.
[JÚLIO]: Então, é o menino ali que tá trabalhando na empresa.
[MIRIAN]: Hã, hã.
[JÚLIO]: Então, ele tá em Rolim de Moura hoje à noite…
[MIRIAN]: Hã, hã.
[JÚLIO]: … e você tem como atender ele aí em Cacoal? Se você quiser mergulhar dentro de uma piscina pelado, se quiser trepar num poste, de longe, não é armação, não. Eu só preciso que você escute ele como se fosse eu. Não tô te ligando pra te ameaçar, pra te sacanear, não é nada disso, entendeu? É aquilo que eu te disse aquele dia: você precisa só saber de algumas coisas pra ter a tua interpretação como secretária (…)
[MIRIAN]: Hum, hum.
[JÚLIO]: Aí eu queria ver se você atendesse ele pra mim. Ele vai, conversa com você. E aí, quando você chegar, semana que vem, se você achar que deve, você me liga. Eu vou lá, a gente esclarece melhor, e tal. Mas precisa, Mirian. Não adianta. Você é a titular da pasta e eu sou o maior cliente seu, então não tem como. Mesmo que vá ter concorrência, não tem problema. Vai ter. Mas tem que ter a conversa pra saber quem é cliente, fornecedor, entendeu?
[MIRIAN]: Hum, hum. Não, beleza.
[JÚLIO]: Isso. Mirian, e volto a te falar, Mirian. Eu sei que você é a secretária e tudo, mas eu tenho uma… sempre se criou uma situação de que o Júlio é o problema de tudo. Eu não sou problema de nada. O problema é que a situação é criada, não é que eu fiz.
[MIRIAN]: Hum, hum.
[JÚLIO]: E aí, meu, eu não quero inimizade com ninguém. Eu já provei isso. Agora, meu, eu fico refém de vocês tudo. Então eu só quero dizer o que eu tenho pra falar, e deixa a concorrência vir, pronto, eu perco e vou cuidar da vida. Mas o Edinei conversando com você amanhã é como se fosse eu… Ele não vai te fazer proposta indecente, não vai falar nada. Ele só quer te deixar claro alguma situação pra você tomar o partido e depois ver o que faz.
[MIRIAN]: Hum, hum.
[JÚLIO]: Tá?
[MIRIAN]: Tá beleza, então, Júlio.
Outro trecho, desta vez entre Júlio Bonache e Edinei, foi registrado em 08 de setembro de 2011, às 17h14min08s:
[JÚLIO]: Aí eu falei pra ele. Já falei por telefone mesmo. Aí ele: “Não, eu falo com você pessoalmente. Eu sei que nós tamo sendo gravado mesmo, foda-se.”
Aí eu falei pra ele: “Ó, vamos fazer o seguinte. Se até amanhã não resolver essa porra, eu vou sentar com a Mirian e dar o dinheiro que ela tá pedindo lá. Só que você sabe de quem que eu vou descontar isso, né? Então você que sabe.”
Ele: “Não, não vai precisar disso, não…”
Eu falei: “Não, só tô falando. Ela tá naquela porque ela quer dinheiro. Então eu vou dar. Só que o dinheiro é um só, e eu tenho que repartir ele no meio, então…”
Ele: “Não, não vai ser preciso, não. Não fala nada pelo telefone, não. Eu vou aí com você, então.”
A seguir, os termos integrais do dispositivo:
“[…] DISPOSITIVO Ante o exposto e por tudo que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal exarada na denúncia, e CONDENO os réus MIRIAN SPREAFICO e RÔMULO DA SILVA LOPES, já qualificados nos autos, pela prática do crime previsto nos artigos 317, caput, c/c art. 327, §2º e art. 29, caput, todos do Código Penal e JÚLIO CÉSAR FERNANDES MARTINS BONACHE, já qualificado nos autos, pela prática do crime previsto nos artigo 333, caput, do Código penal, todos por seis vezes, na forma do artigo 71, caput do Código Penal. […]”
Outras disposições tratam da fixação do valor do dia-multa, expedição de mandado de intimação para pagamento, e instruções sobre arquivamento dos autos após cumprimento das determinações legais.