Desassistência em saúde e educação, contaminação por agrotóxicos, garimpo ilegal e omissão do Estado expõem gravemente os direitos das infâncias indígenas
Porto Velho, RO – O relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2024, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), traz um alerta contundente: crianças e adolescentes indígenas estão entre os mais impactados pelas múltiplas formas de violência e negligência no país. No caso de Rondônia, o cenário é especialmente grave e exemplifica a realidade de violação sistemática de direitos garantidos constitucionalmente a crianças e adolescentes, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU.
Falta de acesso a saúde básica e mortes evitáveis
Segundo o relatório, a desassistência à saúde indígena permanece como uma das expressões mais cruéis da negligência estatal. Em 2024, o Brasil registrou 922 óbitos de crianças indígenas entre 0 e 4 anos, a maioria por causas evitáveis como pneumonia, desnutrição e doenças diarreicas. Embora o relatório não desagregue esse dado por estado, destaca que Rondônia está entre os estados afetados pela ausência de acesso a políticas públicas básicas de saúde.
O documento também aponta que a falta de saneamento, água potável e serviços de imunização e diagnóstico adequado contribui para um cenário de mortalidade infantil indígena inaceitável, especialmente entre os recém-nascidos e lactentes.
Contaminação por agrotóxicos atinge diretamente crianças
Rondônia figura entre os estados onde o relatório identificou relatos de pulverização aérea de agrotóxicos sobre territórios indígenas, prática que afeta toda a comunidade, mas com efeitos mais severos sobre crianças e adolescentes.
O contato com venenos — inclusive os proibidos — resulta em intoxicações, alergias, doenças respiratórias e neurológicas, comprometendo o desenvolvimento físico e cognitivo de meninos e meninas indígenas.
A exposição ocorre de forma contínua, por via aérea, água contaminada, alimentos e ar. O documento alerta que essa violência ambiental atinge o corpo e o futuro das infâncias indígenas, de forma silenciosa e invisibilizada.
Educação negligenciada
O relatório também destaca a precariedade da educação escolar indígena, que atinge de forma direta crianças e adolescentes. Faltam escolas, professores capacitados, materiais adequados e respeito à diversidade cultural e linguística. Em Rondônia, o Cimi identificou casos concretos de desassistência na área da educação, sem detalhar números, mas evidenciando a omissão reiterada do poder público.
A consequência é o rompimento de vínculos culturais e linguísticos e a negação do direito a uma educação diferenciada, bilíngue e intercultural, como previsto pela Constituição Federal e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
Violência armada e risco psicológico
Ainda que o relatório não apresente dados quantitativos sobre vítimas infantis diretas de agressões armadas, descreve situações em que crianças indígenas foram alvejadas por disparos de arma de fogo ou ficaram com projéteis alojados no corpo, como ocorreu com nove Avá-Guarani e um Guarani Kaiowá.
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Os episódios, embora ocorridos em outros estados, refletem uma realidade nacional de ataques a comunidades inteiras — incluindo crianças — por parte de milicianos, fazendeiros e agentes estatais coniventes ou omissos.
O impacto psicológico desses episódios é profundo. O relatório denuncia o terror noturno de comunidades cercadas, com faróis de caminhonetes apontados para barracas improvisadas, impedindo o sono e traumatizando profundamente meninos e meninas indígenas.
Omissão institucional e risco de apagamento
Em Rondônia, como em outros estados, o relatório denuncia a ausência de políticas públicas que protejam as infâncias indígenas diante de riscos territoriais, ambientais, culturais e institucionais. A lentidão ou paralisação dos processos de demarcação compromete o direito à terra — condição básica para alimentação, segurança, cultura e identidade das crianças.
A Terra Indígena Karipuna, por exemplo, é citada como caso emblemático onde a inércia estatal permite a continuidade da violação de direitos, mesmo com homologação reconhecida. Crianças e adolescentes da TI Karipuna crescem sob constante ameaça de violência, desmatamento e expulsão.
Conclusão: Urgência de medidas específicas
O relatório do Cimi, ao evidenciar os múltiplos vetores de violação de direitos de crianças e adolescentes indígenas, revela a urgência de políticas públicas intersetoriais e específicas para este grupo, com enfoque em:
Saúde indígena com cobertura contínua e respeitosa;
Educação diferenciada e protegida contra retrocessos;
Segurança territorial e alimentar;
Proibição de pulverização aérea de agrotóxicos próximos a aldeias;
Proteção física e psicológica contra conflitos armados.
A omissão do Estado em Rondônia, denunciada ao longo do relatório, fere o princípio da prioridade absoluta previsto no artigo 227 da Constituição Federal.
Proteger as crianças indígenas é proteger o futuro e a dignidade de povos inteiros.
Negligenciar esse dever é perpetuar um ciclo de invisibilidade e violação que já dura séculos.