Humberto Guedes e William Cury ajudaram a erguer o Estado, mas ficaram esquecidos
Existem outros grandes atores na ocupação e elevação de Rondônia a estado, mas a história oficial ainda fecha os olhos ao ex-governador Humberto da Silva Guedes, limitando-se a vangloriar o coronel Jorge Teixeira de Oliveira, Teixeirão, na condição de único milagreiro. Cometem injustiças contra algumas pessoas, entre as quais o ex-presidente da Companhia de Desenvolvimento Agrícola de Rondônia (Codaron), William Cury, “pai do Polonoroeste.”
De Humberto Guedes, acompanhávamos as atividades governamentais quando ele confiou ao filho, secretário de Planejamento Luiz César Auvray Guedes, a contratação de profissionais de arquitetura e geógrafos da Universidade de São Paulo, para o planejamento de cidades. Somando-se esse a outros feitos, não é exagero dizer que aquele governador “plantava as bases dos futuros municípios.”
Por que não reconhecer o papel legítimo de outros atores, se até ex-ministros e suas respectivas equipes ofereceram o seu quinhão a um dos mais famosos partos geopolíticos do século passado: a criação do estado, três anos depois de Mato Grosso do Sul?
Isso ocorrera desde as notáveis reuniões entre os presidentes, generais Ernesto Geisel e João Baptista de Oliveira Figueiredo, Golbery do Couto e Silva (Casa Civil) e seus ministros João Paulo dos Reis Veloso, Delfim Neto – três titulares do Planejamento e Coordenação Geral; Maurício Rangel Reis (Interior) e Alysson Paulinelli (Agricultura).
Cada qual em seu quadrado, todos eles deram seguimento ao ímpeto da notável Marcha para o Oeste. Para viabilizar essa Marcha, o governo Getúlio Vargas estabeleceu acordo com os Estados Unidos, ainda durante a Segunda Guerra Mundial.
Antes de pisar solo rondoniense, o ministro Paulinelli já havia “caído nas graças” de Geisel ao lançar o Programa de Desenvolvimento do Cerrado (Polocentro) e apoiado o desenvolvimento agrícola da região de Dourados (MS).
Lembra o engenheiro agrônomo, pesquisador e professor universitário Eneas Salati, que os EUA queriam a borracha e o governo brasileiro necessitava de recursos financeiros para executar os planos de desenvolvimento. Recrutados no porto de Fortaleza (CE), os “soldados da borracha” nordestinos que optaram pela selva inóspita ao teatro da guerra viajavam de barco para Amazônia, incursionando por seringais brasileiros e até bolivianos.
Esse capítulo todos conhecem: a exemplo dos acreanos, com esforço incomum eles garantiram o látex exportado às indústrias automobilísticas e de aviação nos EUA. Mais tarde, no governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-1961), a industrialização ganhava corpo. Ele queria fazer “cinquenta anos em cinco.” Para alcançar seus objetivos, optou por uma desnacionalização da economia e primou pela indústria de bens de consumo duráveis – eletrodomésticos e automóveis – em detrimento da indústria de base que tinha sido prioridade no governo de Vargas.
“O favorecimento a empresas estrangeiras provocou a aceleração da industrialização no Brasil”, analisou o também graduado em Agronomia Adriano Luís Schünemann. Nesse embalo, JK projetou Brasília, e com ela, a interligação dos diferentes centros econômicos do País.
Vieram ideias e projetos, e um deles se afunilou na construção da BR-29 (depois BR-364), que alcançou Cruzeiro do Sul, na fronteira Brasil-Peru.
Dois anos atrás, eu e os colegas Lúcio Albuquerque e Rosinaldo Machado ouvimos William Cury durante duas horas, na casa dele. Foi o tempo suficiente para clarear a maneira como os então governadores Teixeirão (aqui) e Júlio Campos (Mato Grosso) conseguiram o maior financiamento da história do Centro-Oeste da Amazônia Brasileira, a fim pavimentar “a estrada de JK e demarcar terras indígenas.”

Bem depois dos anos 1970, quando deixou o interior paulista, ingressou na assistência técnica rural do ex-território federal e obteve vaga na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), já trabalhando para o governo Teixeirão, o engenheiro agrônomo William Cury tomou a frente da secretaria da agricultura e foi presidente da Codaron, criada para desenvolver 32 núcleos urbanos de apoio rural (NUARs), a maioria deles embriões para futuras cidades.
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Ele nos contou que um dia saiu de avião de Porto Velho e desembarcou em Brasília, indo diretamente à sede do IPEA fazer palestra para um seleto grupo de economistas. IPEA é a siga do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, ligado ao Ministério do Planejamento.
Cury demonstrava à nata da tecnocracia a concepção do Programa de Desenvolvimento Integrado para o Noroeste do Brasil (Polonoroeste), que fora concebido sob suas mãos.
O ex-presidente da Codaron clareia a história, na qual agora aparecem aqueles até então ocultos, especialmente o ministro do Planejamento Antônio Delfim Neto, que autorizaria as negociações com o Banco Mundial para obras de asfaltamento da BR-364.
Da noite para o dia Rondônia e Mato Grosso desfrutavam do montante de US$ 1,2 bilhão, uma fortuna nunca imaginada por aqueles que sonhavam com o estado.
A dinheirama vinha de Washington, DC. Entusiasmado, o chefe da Divisão daquele banco para o Brasil, Robert Skilling, tanto apreciou o trabalho de Cury que desejava vê-lo governador!

Foi Bob quem” derrubou” Cury do cargo mais adiante, pois se acostumava a desembarcar em Porto Velho e dispensava despachar no Palácio Presidente Vargas, ficando à vontade na sede da Codaron, na Rua José de Alencar. O secretário de planejamento estadual, José Renato da Frota Uchôa, não gostava nada do que via.
As relações com Bob vinham desde Humberto Guedes, revelou-nos Cury em sua conversa. Em 1979, no final do governo daquele coronel, Cury trabalhava na Embrapa, quando o dirigente bancário americano vinha a Porto Velho pela primeira vez.
“Ele desembarcou aqui, hospedou-se e foi diretamente ao Palácio Presidente Vargas, onde ouviu do governador Guedes: Olhe, eu estou em final de governo, há situações que demandam tempo, procure o Cury” – descreveu.
No entanto, Guedes atendeu o visitante que programara passar apenas três dias em Rondônia, mas aqui permaneceu duas semanas. Bob tinha que conhecer a Embrapa.
“Eu o levei para todas as bases físicas da empresa aqui e no interior” – lembra Cury, citando Ouro Preto e Presidente Médici. Ali se desenvolviam cultivares de forrageiras, e em Vilhena vicejavam lavouras de café da variedade robusta.
O ciúme, uma das chagas da Humanidade, passou a correr solto e venenoso entre as paredes da sede do Palácio Presidente Vargas. Daí…
E numa terra que até então endeusava o ministro Mário Andreazza (Transportes e Interior), considerado o maior aliado de Teixeirão, é possível constatar nessa gênese outros atores importantes da construção do estado.
*A foto de capa mostra famílias de migrantes posam para a foto durante a viagem rumo a Cacoal e Espigão d’Oeste (Foto Marcos Santilli)
