A ciência no banco dos réus: julgamentos históricos que transformaram conhecimento em crime
Em diferentes momentos da história, a ciência e a liberdade de expressão estiveram no banco dos réus. Nos Estados Unidos, berço proclamado da democracia liberal, não foram poucos os casos em que o direito foi usado para sufocar, controlar ou até destruir vozes científicas e críticas. A pergunta que ecoa é provocativa: afinal, a ciência é culpada?
O julgamento da evolução
Em 1925, John Scopes, professor do Tennessee, foi processado por ensinar Darwin. O “Monkey Trial” se transformou em espetáculo nacional: de um lado, a razão científica; do outro, o fundamentalismo religioso transformado em lei penal. O veredito contra Scopes mostrou que o ensino crítico podia ser considerado crime.
O sexo proibido
Duas décadas depois, Alfred Kinsey trouxe à tona dados sobre a sexualidade humana. Suas pesquisas, empíricas e ousadas, revelaram um país muito mais plural do que a moral oficial admitia. O resultado foi censura, cortes de financiamento e acusações públicas. A ciência, mais uma vez, “culpada” por expor tabus.
Queima de livros
AS ÚLTIMAS OPINIÕES
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Wilhelm Reich, psicanalista que falava da energia vital e do “orgone”, viu seus livros serem queimados por ordem judicial nos anos 1950. Preso e morto na cadeia, Reich simboliza o ponto extremo em que o Estado, ao pretender proteger a sociedade de uma ciência considerada “herética”, acaba ele próprio assumindo práticas autoritárias de censura.
O cientista suspeito
Nem Einstein escapou. Vigiado pelo FBI, acusado de comunista, o maior físico do século XX foi tratado como ameaça à segurança nacional. Seu “crime” foi defender a paz, lutar contra o racismo e criticar a corrida armamentista. Nos anos seguintes, Robert Oppenheimer, o pai da bomba atômica, também seria “punido” pela máquina estatal: em 1954 perdeu sua autorização de segurança, mais por razões políticas do que científicas.
A obscenidade da liberdade
Nos anos 1980, foi a vez de Larry Flynt. Editor da revista Hustler, enfrentou dezenas de processos por obscenidade. Ao vencer na Suprema Corte no caso Falwell v. Hustler, conquistou não apenas o direito à sátira, mas reafirmou que a democracia só respira quando aceita o incômodo da palavra livre. Quando a ciência e a informação ameaça o poder, transforma-se em crime.
O veredito
De Scopes, passando por Kinsey, Reich, Einstein, Flynt e Oppenheimer, vemos que a ciência e a liberdade de expressão foram repetidamente julgadas. Culpadas, não por seus erros, mas por questionar dogmas, desafiar autoridades e iluminar verdades inconvenientes. A ciência, no fundo, é sempre “culpada”, porque sua vocação é desconfiar, criticar, abrir janelas de incerteza onde os poderes querem paredes de silêncio. O desafio democrático está em inverter esse veredito: não é a ciência que deve ser criminalizada, mas o obscurantismo e a intolerância que a perseguem.
