Decisão da juíza Duilia Sgrott Reis responsabiliza criador de conteúdo por uso indevido da imagem de um menor, mas abre espaço para questionamentos sobre o peso financeiro imposto a artistas autônomos e o impacto na liberdade do humor no Brasil.
A decisão proferida na última quarta-feira, 19, pela juíza Duilia Sgrott Reis, da 10ª Vara Cível de Porto Velho, reacende um debate já latente no País: a linha tênue entre proteger a dignidade de menores e sufocar financeiramente artistas que trabalham exclusivamente com humor de rua. No caso concreto, o jornalista e humorista Geanderson Mosini, que tem mais de 100 mil seguidores no Instagram, foi condenado a pagar R$ 18 mil em danos morais por utilizar, sem autorização, a imagem de uma criança em uma “pegadinha” gravada no dia 2 de abril de 2024, em frente à loja Malu Modas, na Avenida Jatuarana, Bairro Floresta, em Porto Velho. Mosini trabalha há 10 nos com humor “com muita responsabilidade”, como ele próprio define.
O conteúdo consistia na performance do comediante, que se “vestia” de manequim e assustava transeuntes. Uma brincadeira típica deste tipo de entretenimento – inofensiva na concepção, mas que carrega riscos, principalmente quando envolve menores. O susto no menino, registrado em vídeo, foi posteriormente replicado nas redes sociais do humorista, o que levou à ação movida por um menor representando pela sua mãe.
A discussão sobre riscos não é descartada. Ao contrário, o Informa Rondônia reconhece que toda atividade com exposição pública exige responsabilidade e cálculo de consequências. A presença de crianças em filmagens não autorizadas, por exemplo, é um ponto sensível e merecedor de atenção. O Estatuto da Criança e do Adolescente, lembrado detalhadamente na sentença, estabelece padrões rigorosos de proteção. A controvérsia, contudo, está na medida da punição.
A condenação de R$ 18 mil – em um caso onde o próprio humorista alegou não ter obtido ganho financeiro, afirmando que seu perfil no Instagram “não é monetizado” – suscita questionamentos sobre proporcionalidade.
Especialmente quando se observa que violações praticadas por grandes corporações, como concessionárias de energia elétrica ou companhias aéreas, frequentemente resultam em indenizações que raramente ultrapassam R$ 5 mil, mesmo diante de falhas estruturais e impactos que atingem milhares de consumidores.
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Enquanto isso, no cenário nacional, as discussões sobre limites do humor geralmente orbitam temas pesados: piadas racistas, nazistas, homofóbicas e, em casos extremos, de teor relacionado à pedofilia. Esses, sim, são conteúdos que mobilizam a mão pesada do Estado e da sociedade. Aqui, porém, trata-se de um jovem artista que realizava uma brincadeira pública – discutível, questionável, arriscada, mas notoriamente desprovida de intenção maliciosa.
Na sentença, a magistrada expõe detalhadamente os fundamentos legais, do Código Civil ao ECA, destacando que a utilização da imagem do menor sem autorização, especialmente em contexto que o expôs a constrangimento, configura dano moral. O processo descreve depoimentos, inclusive de professora e padrinho da criança, indicando repercussões emocionais, bullying e mudança de comportamento. Esses elementos sustentam juridicamente a condenação.
O ponto editorial, porém, reside em outra esfera: a do impacto no sustento e na continuidade do ofício do artista. O “engessamento” financeiro de trabalhadores autônomos da cultura, especialmente humoristas de rua e criadores independentes, torna-se uma forma silenciosa de inviabilizar carreiras inteiras. Como consequência, a criatividade passa a ser modulada pelo medo de represálias econômicas que, na prática, podem encerrar vocações.
A discordância editorial não desmerece a decisão judicial, que é tecnicamente fundamentada e, como qualquer sentença, passível de recurso ao Tribunal de Justiça de Rondônia. Mas questiona-se a medida do fardo: quando o valor imposto a um CPF específico supera, por larga margem, o que é rotineiramente cobrado de empresas milionárias, há algo desequilibrado na balança. E, convenhamos, totalmente sem graça.
A discussão sobre limites do humor no Brasil continuará, como ocorre há décadas. Mas decisões que atingem artistas de pequeno porte exigem um olhar atento. Não para esconder responsabilidades, mas para evitar que medidas judiciais, ainda que bem-intencionadas, acabem sacrificando o próprio trabalhador cuja função social é, justamente, fazer as pessoas rirem.
Aqui, resta a pergunta incômoda: ao tentar corrigir um erro real – a exposição indevida de um menor – a decisão acabou criando outro, de ordem proporcional? O recurso ao TJ/RO dirá.









