Informa Rondônia Desktop Informa Rondônia Mobile

JUSTIÇA
MP de Rondônia pede suspensão de lei que barra vacinação obrigatória contra Covid em crianças de 0 a 5 anos

🛠️ Acessibilidade:

Ação Direta de Inconstitucionalidade foi protocolada após representação de entidades que apontam risco sanitário, violação de normas federais e impacto sobre 150 mil crianças rondonienses

Por Informa Rondônia - quinta-feira, 11/12/2025 - 15h54

Facebook Instagram WhatsApp X
Conteúdo compartilhado 114 vezes

Porto Velho, RO – Cerca de 150 mil crianças de 0 a 5 anos em Rondônia, distribuídas em 52 municípios, 61 hospitais e 334 unidades básicas de saúde, estão no centro de uma disputa jurídica que opõe a Lei Estadual nº 5.929/2024 às normas nacionais de imunização. Com base em parecer técnico que aponta risco concreto à saúde pública e à própria estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS), o Ministério Público do Estado de Rondônia (MPRO) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para suspender a norma que veda a obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19 nessa faixa etária.

O caso chegou ao MPRO por meio de representação assinada pelo Grupo de Pesquisa e Intervenção em Direitos Humanos Mapinguari, vinculado à Universidade Federal de Rondônia (UNIR), pela Associação de Pessoas com Deficiência de Porto Velho e pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Maria dos Anjos (CEDECA/RO). O documento é subscrito pelo orientador Vinicius Valentin Raduan Miguel, por Rossilena Marcolino de Souza, por Danielle Gonçalves e pelo bolsista João Vittor Cardoso Coelho Ventura, e foi dirigido à Promotoria de Justiça com pedido de atuação urgente diante dos efeitos da lei estadual.

Na representação, as entidades relatam que a Lei nº 5.929/2024 foi promulgada em 12 de dezembro de 2024 pela Assembleia Legislativa de Rondônia, após rejeição de veto do governador, e impede que o Estado exija a vacinação contra Covid-19 de crianças de 0 a 5 anos. A norma também atribui às instituições de saúde apenas o “dever de informação” e prevê que a decisão final sobre a imunização seja dos pais ou responsáveis, proibindo qualquer tipo de sanção às famílias em caso de recusa. Para os autores, a lei torna inexigível o que a legislação federal impõe e cria um modelo isolado de política vacinal dentro do território nacional.

A partir dessa representação, o MPRO ajuizou a ADI nº 0815828-43.2025.8.22.0000 no Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ/RO), questionando a compatibilidade da lei estadual com a Constituição Federal, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e com a legislação que organiza o Sistema Único de Saúde. Na ação, o Ministério Público sustenta que, ao dispensar a obrigatoriedade da vacinação e limitar-se à prestação de informações às famílias, a norma estadual viola o direito à saúde e à vida (artigos 6º, 5º e 196 da Constituição) e o princípio da proteção integral de crianças e adolescentes (artigo 227 da Constituição e artigos 4º, 7º e 14 do ECA).

O parecer técnico que acompanha a representação destaca que a União tem competência para editar normas gerais em saúde, inclusive em situações de emergência sanitária, e coordena o Programa Nacional de Imunizações (PNI) por meio da Lei nº 6.259/75 e da Lei nº 8.080/90. Esses dispositivos atribuem ao Ministério da Saúde a definição das vacinações obrigatórias e integram a imunização infantil às ações regulares do SUS. Segundo o documento, ao proibir a obrigatoriedade da vacina contra Covid-19 justamente na faixa etária mais vulnerável, a Lei nº 5.929/2024 entra em choque direto com essas normas gerais, contrariando o regime de competência concorrente previsto no artigo 24, inciso XII, e no §4º da Constituição Federal.

A análise jurídica também reúne precedentes do Supremo Tribunal Federal, como a ADPF 672, as ADIs 6586 e 6587, o RE 494.601 e a ADI 6341, que consolidam o entendimento de que políticas de vacinação podem ser obrigatórias quando baseadas em evidências científicas e voltadas à proteção coletiva. A representação ressalta que o STF já reconheceu a constitucionalidade de medidas de imunização compulsória e fixou limites ao poder familiar em situações em que a recusa dos pais contraria o interesse superior da criança, especialmente quando está em jogo a prevenção de doenças graves.

No campo infraconstitucional, o parecer afirma que a lei rondoniense é incompatível com o artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que torna obrigatória a vacinação nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias, e com dispositivos da Lei nº 13.979/20, que autoriza a vacinação compulsória como medida de enfrentamento da pandemia de Covid-19. A coexistência das normas é classificada como insustentável: enquanto a legislação federal impõe a imunização em determinadas situações, a lei estadual proíbe sua exigência, o que, segundo o documento, gera antinomia que deve ser resolvida em favor das normas nacionais.

O parecer anexo à ADI também discute, em detalhe, os impactos práticos e sistêmicos da lei. Com base em estimativas populacionais, o relatório aponta que cerca de 150 mil crianças rondonienses de 0 a 5 anos podem ser afetadas diretamente pela dispensa da obrigatoriedade vacinal. Considerando projeções conservadoras de internações em casos de Covid-19 nessa faixa etária, o estudo calcula a possibilidade de milhares de hospitalizações evitáveis ao longo de um ano, com custos adicionais estimados em dezenas de milhões de reais ao sistema de saúde, somados à pressão sobre os leitos de UTI pediátrica disponíveis no estado.

O documento menciona ainda efeitos em cadeia sobre o Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI), o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e os registros de eventos adversos pós-vacinação (EAPV). Segundo a análise, a criação de uma exceção estadual à política nacional de imunização distorce indicadores, dificulta o planejamento de campanhas futuras e compromete a comparabilidade de dados epidemiológicos, com reflexos na vigilância de surtos, na avaliação de segurança vacinal e na resposta coordenada a novas ondas de transmissão.

A representação sustenta que a norma também pode agravar desigualdades sociais e regionais. Famílias com maior renda teriam condições de buscar vacinação na rede privada, enquanto as de baixa renda dependeriam exclusivamente do SUS, em um cenário de insegurança jurídica e possível redução da oferta de imunização. O parecer alerta para o potencial aumento de surtos em creches e pré-escolas, com repercussões sobre o calendário escolar, a rotina de trabalho dos responsáveis e a estabilidade econômica de famílias mais vulneráveis.

No plano estritamente jurídico, o texto aponta vícios materiais e formais em praticamente todos os dispositivos da Lei nº 5.929/2024. O artigo 1º, que veda a obrigatoriedade da vacinação, é apontado como contrário à competência da União para coordenar políticas em casos de calamidade pública e como fator de fragmentação do SUS. Já o parágrafo que impede qualquer sanção a pais ou responsáveis em caso de não vacinação é descrito como obstáculo à atuação do Conselho Tutelar e dos órgãos de proteção da infância, ao esvaziar mecanismos previstos no ECA para lidar com situações de ameaça ou violação de direitos.

Outro ponto destacado é a exigência de termo de informação em duas vias, prevista no artigo que trata do dever de esclarecimento às famílias. Embora o direito à informação seja reconhecido como elemento importante da relação entre serviços de saúde e usuários, o parecer avalia que a forma adotada pela lei produz burocratização excessiva, cria custos adicionais nas unidades de saúde e pode, na prática, funcionar como entrave à vacinação, em desacordo com orientações técnicas do Ministério da Saúde.

Na parte final, a representação elenca os pedidos dirigidos ao Ministério Público de Rondônia. Os signatários requerem a instauração de inquérito civil para apurar a edição, a promulgação e os efeitos da lei, com coleta de informações junto a órgãos estaduais, secretarias de saúde e demais autoridades envolvidas. Também sugerem a proposição de Ação Civil Pública, o envio de representações a tribunais de contas para análise de eventual dano ao erário e o encaminhamento de notícias-crime ou representações ao Ministério Público Federal, caso sejam identificadas condutas que se enquadrem em hipóteses de improbidade administrativa ou infração penal.

Paralelamente, o documento recomenda que o MPRO emita orientações técnicas às secretarias de saúde, conselhos tutelares e unidades de atendimento, esclarecendo a prevalência das normas federais e a necessidade de respeito às diretrizes do Programa Nacional de Imunizações. A proposta inclui, ainda, a concessão de tutela de urgência para suspender, de forma cautelar, os efeitos da Lei nº 5.929/2024, restabelecendo a plena aplicação do calendário vacinal definido pelo Ministério da Saúde e garantindo segurança jurídica aos profissionais de saúde que seguirem essas orientações.

A ADI proposta pelo Ministério Público tramita no Tribunal de Justiça de Rondônia e questiona a constitucionalidade integral da Lei nº 5.929/2024, tanto sob o ponto de vista material quanto formal. Até o momento, não foi definida data para julgamento do mérito, mas o órgão ministerial sustenta que a análise da tutela de urgência é necessária em razão do risco sanitário apontado nos dados técnicos, especialmente em um cenário de possível retomada de maior circulação viral e de exposição de crianças pequenas a desfechos evitáveis por meio da vacinação.

AUTOR: INFORMA RONDÔNIA





COMENTÁRIOS: