Em artigo, advogado rondoniense defende que a prática da advocacia criminal garante dignidade até aos considerados imperdoáveis
Em um tempo em que o clamor por justiça costuma se confundir com sede de vingança, exercer a advocacia criminal é, mais do que nunca, um ato de fé. Fé no ser humano, fé na Constituição, fé no devido processo legal e, acima de tudo, fé cristã. Porque advogar para quem todos julgam imperdoável é, paradoxalmente, o gesto mais próximo do que ensinou o Cristo crucificado entre ladrões.
A fé cristã tem como núcleo o princípio da dignidade humana e da possibilidade de redenção. Cristo perdoou a adúltera prestes a ser apedrejada. Não exigiu dela um passado limpo, apenas a abertura para um futuro diferente: “Vai e não peques mais.” Se o cristianismo se limita a abraçar apenas os que já se consideram justos, ele trai seu próprio fundamento. E se o Direito se nega a garantir o devido processo ao culpado, ele trai a civilização.
O advogado criminalista, tantas vezes atacado por “defender bandido”, cumpre o papel mais cristão de todos: estar ao lado do pecador, não para negar o pecado, mas para garantir que a punição não ultrapasse os limites da lei. Ele não é cúmplice do crime; é defensor da humanidade. Age como Cristo que, diante da multidão raivosa, se colocou entre o poder da pedra e a fragilidade da carne.
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É preciso muita fé para acreditar que o ser humano é mais do que o seu pior erro. Fé para enxergar no réu um filho, um irmão, uma alma. Fé para suportar o desprezo social e continuar a lutar por justiça, mesmo quando o mundo inteiro pede sangue. A advocacia criminal, quando exercida com ética e coragem, é a encarnação prática da parábola do bom samaritano que socorreu quem outros deixaram caído à beira da estrada.
Neste sentido, não há contradição entre a fé cristã e a defesa criminal. Ao contrário: há coerência, há testemunho, há missão. O advogado que se recusa a abandonar o réu, que garante sua voz no tribunal e que exige que a lei se cumpra, ainda que todos o queiram calar, é também aquele que segue o mandamento mais radical do Evangelho: “Amai os vossos inimigos.”
Por isso, sim a advocacia criminal, quando vivida com coragem, compaixão e compromisso com a justiça, é uma forma de viver a fé cristã. E talvez seja uma das mais difíceis e necessárias de todas.
Samuel Costa é rondoniense, advogado, professor e especialista em Ciência Política