Agrônomo enfrentou resistências políticas no auge da Codaron e deixou marca no planejamento de Rondônia
O agrônomo William Curi teve efêmera passagem pela Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia, onde ensaiou seus passos políticos, sem obter o mesmo êxito do técnico benquisto pelo Ministério do Planejamento. O Banco Mundial continuava seu padrinho, do alto dos seus mais de 60 anos de apoio ao governo brasileiro, estados e municípios, totalizando mais de 430 financiamentos.

Codaron, conforme mostramos amplamente em capítulos anteriores, é a sigla da extinta Companhia de Desenvolvimento do Estado de Rondônia.
“Curi se destacou demais, a Codaron era um verdadeiro governo paralelo e isto despertou a ciumeira do primeiro escalão e da classe política do antigo Partido Democrático Social (PDS), partido situacionista alinhado a Teixeirão”, opina o jornalista Carlos Sperança Neto.
Para Sperança, o poder do agrônomo cresceu devido ao seu período de secretário de agricultura e de presidente da Codaron. “Com o crescimento dos Núcleos Urbanos de Apoio Rural (NUARs), que se se tornaram municípios nos anos seguintes do povoamento, o prestígio dele subiu além da conta”, assinala.
Por essa razão ele deixou o governo? – perguntamos ao jornalista. “A exoneração dele foi uma conspiração das lideranças do PDS, e isso também interessava à oposição; a Codaron era tão forte que ele conseguiria se eleger senador eleito em 1986, e por conseguinte era preciso derrubá-lo do poleiro, se possível desmoralizando-o com uma CPI em alguma armação.”
Sperança lembra o fato de Curi ter elegido uma bancada inteira em 1982: “Os deputados integrantes do setor agropecuário chegaram a ser apelidados de Codaron boys, porque ele os orientava e coordenava sua atuação; acredito que a partir daí começaram as articulações para tirá-lo do páreo quando também se cogitava seu nome como sucessor de Teixeirão. Então o pau cantou…”
“Quanto à CPI, ela foi instalada pela Assembleia, não deu em nada, pelo contrário: os deputados lhe agradeceram pelo grande trabalho realizado no estado, e ele foi um dos técnicos mais inteligentes e com visão de futuro que apareceram por aqui.”

“Forte personalidade”
Convidado para ser secretário-adjunto de Planejamento, embora não tenha sido tão próximo do governador Teixeirão, o economista Sílvio Persivo explica que sua função fora técnica, com o papel de auxiliar o governo Guedes. “O novo governo se definia como do ‘fazejamento’, em contraposição ao anterior”, frisa.
Jorge Elage e William Curi ganham elogios de Persivo: “Eles foram importantes cabeças influentes na concepção de planos e projetos para o então secretário de planejamento Luiz César Auvray Guedes, e o próprio governador Humberto Guedes, que não só participava de muitas reuniões como escrevia sobre o que se deveria fazer para elevar o território a estado”, assinala.

Planejamento de Humberto Guedes
Sucessor de Elage na Coordenação de Desenvolvimento e Articulação dos Municípios (Codram), divisão da antiga Seplan responsável pela organização dos novos municípios e seus planos urbanos, Persivo lembra do trabalho dos grupos de discussões em torno de uma diretriz de pensamento sobre o planejamento que se apoiava de certa forma nas ações do INCRA.
“Elage entendia de tudo um pouco, e Milton Santos foi o pensador do estado”, não tem dúvida Persivo.
“Buscava-se fazer um estado onde houvesse uma hierarquia urbana e uma localização espacial que aproveitasse os projetos de colonização para criar uma riqueza mais bem distribuída, e nesse contexto os NUARs foram o grande laboratório das cidades, consolidando o trabalho do geógrafo Milton Santos, da Universidade de São Paulo (USP) ainda em tempo de coronéis nomeados.
Ariquemes, Ji Paraná, Cacoal, Pimenta Bueno e Vilhena tiveram, então, as digitais do governador Humberto da Silva Guedes, sucedido por Jorge Teixeira. “Eu considero o Guedes o grande governador de Rondônia, pois ele realmente planejou o estado, restando ao Teixeira consolidá-lo, na qualidade de ‘fazedor de obras’, assinala.
O economista reconhece: Guedes aparece em fotos no meio da mata, arregaçando mangas de camisa na inspeção de projetos, mas até hoje não é nem sequer nome de creche, escola, rua ou avenida.

Primeiras obras
O melhor dos NUARs no período ainda sem rodovias asfaltadas, foi o apoio aos parceleiros que recebiam ou adquiriam lotes. Segundo Persivo, eles dispunham de comércio e serviços próximos, evitando a evasão para cidades maiores.
Manoel Serra Nascimento, diretor do “amortecido” (pelo governo Marcos Rocha) Banco do Povo de Rondônia lembra que nos anos 1980 foi comerciante de equipamentos agrícolas: “Vendi muitas motosserras na região de Cacoal.”
Ainda conforme análise de Persivo, os NUARs executados pela Codaron se somavam à estruturação econômica dos municípios; ao trabalho do Centro de Triagem de Migrantes (Cetremi), na entrada de Vilhena, que fazia o cadastramento de migrantes, orientando-os quanto à sua localização; e à criação de modelos de casas adaptadas para a região.
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A esses investimentos públicos se somariam: a Usina de Samuel (no Rio Jamari), concluída graças a novos aportes financeiros autorizados pelo então ministro do Planejamento, Antônio Delfim Neto; o Hospital de Base Ary Tupinambá Penna Pinheiro; e o asfaltamento da BR-364.
A visão de Jorge Teixeira incentivou a migração, controlou-a, e tudo o que fora planejamento para médio prazo passou a ações imediatas.
Teixeira viu em Curi uma liderança de personalidade forte desde o seu papel na Embrapa, e assim ele exerceu um papel fundamental, mesmo pagando o alto preço por mudar da ação técnica para a ação política, de certa forma obrigado pelas circunstâncias, ao ganhar luzes no palco político.
“Braço político do governo”
“Por trás de Jorge Teixeira havia o poder de José Renato da Frota Uchôa, que era a cara metade de seu chefe. Cabia a esse economista a direção das ações todas e, no fundo ele era uma pessoa prática, um contador ao velho estilo, que desejava ter controle de todo o governo – e tinha”, observa Persivo.
Desses bastidores, ele põe todos os dedos nas feridas abertas naquele início da década de 1980. “Vez ou outra, Zé Renato realizava ações necessárias que Teixeira não deveria saber ou preferia ignorar, e talvez tenha sido este o gatilho da estigmatização que procuraram fazer em relação a Curi: sempre foi evidente que o titular da Seplan não gostava nenhum pouco da deferência com que Teixeira tratava o agrônomo. E fazia claramente uma divisão entre quem considerava que era de sua confiança ou dele, o que também refletia no apoio que dava.”
Nesse contexto, conforme Persivo, “o certo é que Zé Renato tinha a chave do cofre e cuidava para que estivesse bem cheio.”
“A quantidade de recursos que circulou por Rondônia foi imensa, e o. secretário só dava atenção aos planos e projetos que dessem dinheiro de forma imediata, ou seja, puxassem recursos da União. Considerava que pensar em ciência, tecnologia, indústria, coisas que se destinavam ao futuro, era “criar papel”, diz o economista.
Enfim, nada se fazia então sem o aval de Uchôa, todos dependiam dele. Exceção à regra, a Codaron muitos recursos antes de ser bafejada pelo Banco Mundial.
“A leitura que se fez não é minha, mas o que circulava como fofoca é que se tratava do meio de ganhar a eleição, ainda assim, Zé Renato teve uma ação muito forte e decisiva em 1982, em conjunto com as áreas de segurança e de saúde, basta observar o trabalho do médico Claudionor Roriz, depois senador por Rondônia”, diz Persivo.
“Evidenciou-se que, embora fosse uma companhia destinada a acelerar a infraestrutura, especialmente estradas intermunicipais, a Codaron seria também um braço político do governo, e essa percepção consolidava-se: Curi apoiava um grupo de pessoas ligadas ao setor agrícola, angariando um papel eminentemente político, e aparecia como chefe de um grupo, que, em tese, se contrapunha ao personagem mais poderoso do governo.”
Curi de paletó e gravata
Persivo não assegura, mas faz coro até hoje às vozes correntes que percebiam a tentativa de miná-lo com o governador. “Enfim, havia uma briga de poder, uma queda de braço cujo desfecho só poderia mesmo ser a ‘demonização’ do agrônomo, porque não só Teixeira era indissociável de José Renato, como este segurava o leme do barco todo.”
Em relação a Curi deputado estadual: “Tenho a impressão de que a política não era a praia dele.”
“Sem muito tempo e paciência, deve ter se desiludido a exemplo de outras pessoas que esperavam melhorias, porém, perceberam que quando entra o fator político as realizações são muito mais complicadas.”
Após o retorno dos países africanos a serviço do Banco Mundial, Curi exerceria o mandato de deputado estadual a partir de 1991, pelo Partido de Mobilização Nacional (PMN), o número 33 no Tribunal Superior Eleitoral. O PMN criado pelo escritor, professor, jurista e deputado federal Celso Brant, tinha como patrono Tiradentes e símbolo a bandeira dos Inconfidentes.
O PMN escolhido por Curi surgira de um movimento nacionalista e sua consolidação acontecera a partir da aprovação – em maio de 1985 – da Emenda Constitucional nº 25, que, além de legalizar os partidos comunistas, permitiu a apresentação na eleição seguinte de candidatos de partidos ainda em formação.
O mais votado (4.111) entre os candidatos, Curi ficou apenas um ano e meio no cargo, deixando-o em 1995 para assumir a Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral do Estado de Rondônia na gestão do médico e ex-deputado estadual Oswaldo Piana Filho.
Curi, que vestia paletó e gravata, porém, costumava ir à Assembleia Legislativa de calça jeans, não demonstra saudade do Parlamento. No âmago, ele sente que imprimiu sua marca ao conduzir a política agrícola rondoniense com o apoio de uma equipe de colaboradores diretos e indiretos que chegou a alcançar dez mil pessoas.
De certa forma, cabe como uma luva analisar que o PMN, cujos princípios incluíam a realização da reforma agrária entrava no cenário político-partidário brasileiro depois que o INCRA havia iniciado a entrega de títulos definitivos de terras a milhares de migrantes em Rondônia.
