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PERSPECTIVA BERADEIRA
Juventude e Violência: Crime, Cultura e a guerra de perde-perde dos jovens na sociedade brasileira

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Desigualdade, medo e ausência de futuro moldam o cotidiano da juventude brasileira, presa entre a violência urbana, o abandono social e a cultura do crime que se renova em meio à indiferença coletiva

Por Rafael Ademir - terça-feira, 04/11/2025 - 14h41

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Por Rafael Ademir Oliveira de Andrade

Sociólogo, Doutor em Desenvolvimento Regional, Coordenador do Laboratório de Estudos em Populações Negligenciadas (Afya Porto Velho) e professor permanente do PPG em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente (UNIR).
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“Preciso falar tudo que eu quero falar. Que amanhã eu já nem sei se eu tô aqui. Se alguém me escutar esse som é pra avisar. Que eu vi as trevas mas sobrevivi”  – Inquilino da Dor, Fábio Brazza

Sobre nossa juventude em 2025:

No Brasil de 2025, a juventude enfrenta ameaças que se cruzam e reforçam sua vulnerabilidade. A violência urbana segue entre os principais riscos: pesquisa da PUCRS (2025) mostra que mais de 20% dos jovens gaúchos estão expostos a brigas com armas, 12,4% presenciaram homicídios e 37% sentem-se inseguros à noite. O ambiente digital também se tornou perigoso, com o avanço de desafios nocivos, discursos de ódio e recrutamentos ilegais, segundo a SaferNet e a Agência Brasil (2025). Esses fatores agravam os problemas de saúde mental, intensificados pela falta de redes de apoio e pela exposição a conteúdos de risco nas redes sociais.

Na formação e inserção profissional, a precariedade da educação pública e a desigualdade social ampliam o ciclo de exclusão. Escolas com baixa infraestrutura e ausência de orientação vocacional limitam o acesso a empregos e ao ensino superior. O UNICEF (2025) aponta que um em cada cinco jovens entre 18 e 24 anos não estuda nem trabalha. Mesmo os que prosseguem na educação enfrentam informalidade e escassez de oportunidades. A distribuição de renda reflete esse quadro: em 2024, o rendimento per capita foi de R$2.020, mas os 10% mais ricos ganhavam 13,4 vezes mais que os 40% mais pobres, e o 1% mais rico, 36,2 vezes. Apesar do leve avanço, 10% da população concentram quase 40% da renda, enquanto milhões vivem em insegurança alimentar. Essa soma de desigualdades, violência e barreiras econômicas mantém a juventude brasileira diante de um futuro incerto e desigual.

O jogo de perde-perde

Um ponto pouco debatido entre quem pensa políticas públicas para  juventude brasileira e sua relação com a cultura do crime é que ser jovem no Brasil é um jogo de perde-perde. Vamos nos esquivar de análises determinantes do que seria a relação cultura-sujeito para buscar compreender como esse jogo é travado.

Primeiro, há uma influência do meio sobre os sujeitos, logo, não há determinação cultural tampouco há liberdade total, as pessoas estão numa relação entre seus desejos individuais e as influências do meio. O que uma sociologia ruim faz é dizer que é impossível fugir do meio cultural e o que o discurso neoliberal afirma é que o meio não influencia o sujeito: ambos estão errados e em ambos os campos há as pessoas mais avançadas que já reconheceram tais erros (não irei citar nem um nem outro – se quiser saber mais leia “Cultura: Um Conceito Antropológico” de Roque Laraia em seus primeiros três capítulos).

Dessa forma, o jovem brasileiro é permeado pela sensação de que está perdendo. Com raras exceções é isto. Vamos aos exemplos: (a) o jovem que se dedica aos estudos e ao trabalho sente que está perdendo do influenciador que ganha e ostenta milhões sem ter uma formação, (b) o jovem sem estudos e sem possibilidades sente que está perdendo daquele que tem alguma condição e sai do total apavoro, (c) o jovem que está imerso na cultura do crime sente ou pelo menos deveria sentir que está perdendo sua vida para suprir um vazio e deixar rico pessoas que nem sempre estão nas favelas e sim nas grandes instituições financeiras-políticas do país.

No contexto social em que estão inseridos nossos jovens, todos sentem que estão perdendo: quem estuda perde, quem trabalha perde, quem se prostitui perde, quem trafica perde, pois estão todos correndo atrás de uma vida-ostentação que os transforma em máquinas de produção, peças do baixo-clero do mercado financeiro, da lógica do trabalho, da vida política ou das organizações criminosas, jovens são usados para que pessoas mais velhas fiquem cada vez mais ricos.

Vou dar dois exemplos: o jovem policial civil que estudou anos para receber 03 meses de salário antes de ser morto no Rio de Janeiro e o jovem que migrou do nordeste e foi morto 06 meses após entrar para o mundo do crime são duas faces da mesma moeda – há um sistema que não se preocupa com quem morre desde que as estruturas que o funda sejam mantidas. Da mesma forma que o próximo melhor colocado do concurso foi chamado para ocupar a vaga do jovem PC, duas horas depois as fileiras do crime organizado foi reposta por jovens oprimidos.  É uma guerra de performance ficcional que todo mundo ganha, menos o jovem, seus amigos, parentes, amores. 

A morte de mais de cem pessoas não acaba com o crime: mas ganha votos para 2026  (no Brasil inteiro e autoridades que cuidam mais do RJ do que seu próprio estado) gera mais ódio entre os mundos favela-fora da favela, (cria o novo soldado do crime que viu seu irmão morto e cria o vingador civil) justifica a morte do policial, (o transforma em herói, quando sabe que outros ainda morrerão) justifica o ódio e o preconceito.

E não ataca o crime de fato: este se recria, pois suas cabeças (dentro e fora da favela) estão intactas e se reproduzindo igual uma Medusa mitológica. Neste jogo de perde-perde nossos jovens, em suas diferentes histórias e crenças e vivências, são os que morrem para que adultos-idosos continuem cada dia mais ricos e poderosos. 

Esta juventude que está jogada no mar do medo: medo da pobreza, medo do abandono, medo da morte, medo de não ser rico, medo de não ser aceito, medo de não responder aos desejos de seus pais, medo de ter seus bens tomados, medo de estar cada dia mais endividado, medo de estar vivo – não raramente vai buscar a morte como solução para tal medo, quer seja atacando a si mesmo quanto atacando inimigos reais e imaginários, sendo a violência a Lei maior do Brasil… “odiar o próximo acima de tudo”. 

Enquanto aplaudirmos a violência esses mesmos nosferatus de sempre estarão no poder e estaremos enterrando nossos jovens – fardados ou não – sem entender o que de fato o que reforça o crime e suas mortes é justamente nosso apelo à violência e o fim da solidariedade entre os seres humanos. 

É preciso união, juntar quem quer salvar a nossa juventude e levar oportunidades outras à eles que não apenas o medo. Com medo, todo animal (humano ou não) revida.

Referências

AGÊNCIA BRASIL. Renda dos 10% mais ricos é 13,4 vezes maior que a dos 40% mais pobres, diz IBGE. Brasília: EBC, 8 maio 2025. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2025-05/renda-dos-10-mais-ricos-e-134-vezes-maior-que-dos-40-mais-pobres

. Acesso em: 4 nov. 2025.

AGÊNCIA BRASIL. TV pública alerta sobre perigos on-line para jovens brasileiros. Brasília: EBC, 2025. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/en/geral/noticia/2025-08/brazilian-tv-warns-online-dangers-young-people

. Acesso em: 4 nov. 2025.

AGÊNCIA GOV. Renda per capita tem aumento recorde de 4,7% e desigualdades caem ao menor nível desde 2012. Brasília: Governo Federal, 8 maio 2025. Disponível em: https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202505/renda-per-capita-tem-aumento-recorde-de-4-7-e-desigualdades-caem-ao-menor-nivel-desde-2012

. Acesso em: 4 nov. 2025.

PUCRS. Mais de 20% dos jovens gaúchos dizem estar expostos a brigas com arma de fogo no entorno do domicílio, aponta estudo da PUCRS. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2025. Disponível em: https://portal.pucrs.br/en/noticias/pesquisa/mais-de-20-dos-jovens-gauchos-dizem-estar-expostos-a-brigas-com-arma-de-fogo-no-entorno-do-domicilio-aponta-estudo-da-pucrs/

. Acesso em: 4 nov. 2025.

TI INSIDE. Brasil registra declínio no conhecimento sobre privacidade e segurança digital, aponta estudo. São Paulo, 17 set. 2025. Disponível em: https://tiinside.com.br/en/17/09/2025/Brazil-records-decline-in-knowledge-about-privacy-and-digital-security–study-finds/

. Acesso em: 4 nov. 2025.

UOL ECONOMIA. Renda per capita tem recorde de R$ 2.020 em 2024; desigualdade cai a piso histórico, diz IBGE. São Paulo: UOL, 8 maio 2025. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2025/05/08/ibge-renda-per-capita-tem-recorde-de-r-2020-em-2024-desigualdade-cai-a-piso-historico.htm

. Acesso em: 4 nov. 2025.

UNICEF. Iniciativa 1MiO gera mais de 500 mil oportunidades para jovens no Brasil em quatro anos. Nova Iorque: Fundo das Nações Unidas para a Infância, 2025. Disponível em: https://www.unicef.org/genunlimited/stories/unicefs-1mio-initiative-generates-over-500000-opportunities-youth-brazil-four-years-0

. Acesso em: 4 nov. 2025.

AUTOR: RAFAEL ADEMIR





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