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IGUALDADE RACIAL
Marcha das Mulheres Negras reúne 500 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios

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Ato reuniu participantes de diferentes países e destacou reivindicações por reparação e bem-viver

Por Informa Rondônia - quarta-feira, 26/11/2025 - 08h43

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Porto Velho, RO –  A movimentação na área central de Brasília começou a se intensificar desde as primeiras horas desta quinta-feira (25), quando caravanas de diversas regiões chegaram para participar da 2ª Marcha Nacional das Mulheres Negras por Reparação e Bem-Viver. Segundo estimativa das organizadoras, aproximadamente 500 mil pessoas ocuparam as laterais do gramado da Esplanada dos Ministérios.

Antes do início da caminhada, uma estrutura inflável de 14 metros, em formato de mulher negra e com faixa presidencial com os dizeres “Mulheres Negras Decidem”, marcou o ponto de concentração. A atividade foi organizada pelo Comitê Nacional da Marcha das Mulheres Negras. A representante do comitê, Cláudia Vieira, afirmou que o processo de construção do ato exigiu enfrentamentos e que o objetivo é apresentar suas pautas ao país. “A partir desse mosaico, a gente apresenta para o país, para o mundo e para o Estado brasileiro, para que entendam, de uma vez por todas, que é importante, necessário, é dever e direito olhar para a população negra.”

Participantes de diferentes gerações, territórios e contextos sociais compuseram o ato, incluindo mulheres afrodescendentes de mais de 40 países. Durante a marcha, repetiu-se a frase “Nós, mulheres negras, não merecemos ficar o tempo inteiro no final da fila e sermos tratadas, nessa sociedade, como segmento que pode esperar, que tudo para a gente fique para depois. Temos pressa, temos urgência!”.

Representando o governo federal, a ministra da Igualdade Racial (MIR), Anielle Franco, percorreu parte do trajeto acompanhada pelas deputadas federais Talíria Petrone (PSOL-RJ) e Benedita da Silva (PT-RJ). Benedita foi lembrada por ter sido a primeira mulher negra deputada federal, em 1987, e a primeira senadora negra, em 1995. Em um dos carros de som, Anielle declarou que a presença do ministério buscava estabelecer diálogo. “Permaneceremos avançando, marchando por bem-viver e por reparação. Por todas as mães que perderam seus filhos e por todas aquelas que vieram antes de nós. Seguimos juntas em marcha, na positividade, hoje e sempre.”

A ministra mencionou a vereadora Marielle Franco, assassinada em 2000 junto com o motorista Anderson Gomes. Uma das palavras de ordem repetidas no ato foi “Marielle, presente. Marielle vive.” O Instituto Marielle Franco esteve na marcha. A diretora executiva da entidade, Luyara Franco, filha de Marielle, disse: “Cada passo que damos aqui carrega a força de todas as mulheres negras que nos antecederam. Essa marcha é o nosso grito coletivo por justiça e dignidade, a prova viva de que a memória da minha mãe segue florescendo em cada uma de nós.” A advogada Marinete Silva, mãe de Marielle e Anielle e cofundadora do Instituto, declarou que estar na marcha significava afirmar que esse segmento não aceita ser silenciado. “Cada mulher negra aqui reivindica o direito de viver sem medo, de ter seu luto respeitado e sua voz reconhecida. Democracia só existe quando nossas vidas importam.”

Entre os elementos expostos no percurso, um tapete com fotos de vítimas de violência em favelas do Rio de Janeiro ocupou parte da concentração. As imagens reuniam registros de pessoas mortas nos últimos anos. Nesse contexto, Daniela Augusto, representante do Movimento Mães de Maio na Baixada Santista, participou lembrando que o grupo surgiu após uma série de chacinas e assassinatos ocorridos em 2006, com estimativa de 450 a 600 mortos. Para Daniela, o Estado é o primeiro violador da juventude negra. “Historicamente, no Brasil, a herança do processo de escravização é a perseguição, o controle e a eliminação de corpos negros.” Ela pediu o fim da execução de jovens e mencionou que casos de feminicídio atingem em maior número mulheres negras. Segundo Daniela, isso está relacionado ao machismo. “Homens negros, indígenas, brancos, historicamente, entendem que o corpo da mulher é uma propriedade. Então, o machismo é muito introjetado a partir dessa lógica eurocêntrica de que a mulher deve servir, de que é um objeto. Aqui na marcha, em todos os espaços que a gente ocupa, lutamos contra a ideia de que nossos corpos são rentáveis, são utilizáveis ou são objetos de violência, do Estado, ou seja, do machismo, perpetrado especialmente pelos homens”, afirmou.

Durante o ato, participantes exibiram uma bandeira do Brasil pedindo a indicação de uma mulher negra para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF), após a aposentadoria antecipada do ex-ministro Luís Roberto Barroso. A sabatina do advogado-geral da União, Jorge Messias, indicado ao cargo pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está agendada para 10 de dezembro, no Senado.

A deputada Erika Kokay (PT-DF), que esteve na primeira Marcha Nacional das Mulheres Negras em 2015, afirmou que vê, dez anos depois, a necessidade de políticas públicas e a ampliação da presença de mulheres negras em espaços institucionais. “É uma marcha que deixará as suas marcas na Esplanada dos Ministérios e que traz a voz, o canto, a dança, a consciência negra para a capital da República.”

Outra participante foi a professora Maria Edna Bezerra da Silva, da Universidade Federal de Alagoas. Ela reconheceu a importância das políticas de cotas e dos concursos públicos, mas relatou que ainda são poucos os docentes negros no ensino superior. “Embora tenhamos avançado em uma política de cota para estudantes, para docentes, eles ainda são muito poucos dentro das universidades. Ainda não temos, de fato, uma igualdade, uma paridade em número de professores e docentes negros nas instituições.”

Homens também marcharam. Entre eles estava Leno Farias, de um povoado de terreiro do Ceará. Ele disse que sua formação é marcada por lideranças femininas. “Minha descendência é toda regida por mulheres. Então estar na marcha é uma coisa muito normal. Elas são as líderes. Dentro da tradição, da minha perspectiva de cosmovisão, para mim, Deus é uma mulher”, afirmou. Na avaliação de Leno, a violência contra as mulheres decorre de incompreensão dos homens sobre a força feminina. “Eles têm medo do poder que elas têm. Não conseguem conviver com isso.”

Quilombolas estiveram presentes reivindicando reconhecimento, permanência e apoio aos territórios. Aparecida Mendes, do território Conceição das Crioulas, em Salgueiro (Pernambuco), explicou que sua comunidade atua na preservação cultural, conservação ambiental e segurança alimentar. Para ela, o ato expressou demandas por direitos territoriais e enfrentamento ao racismo estrutural. “É importante a gente mostrar para o mundo a nossa presença, a nossa existência, dizer para o Estado brasileiro, para os demais países que, na medida em que a gente dá visibilidade à nossa luta, está dizendo: ‘Existimos, somos demandantes de direitos, também cuidadores desses territórios, da riqueza do Brasil. Portanto, a dívida que os estados têm com o povo quilombola precisa ser levada em consideração’”, afirmou.

A mobilização se encerrou reforçando a articulação entre mulheres afro-brasileiras, afro-latinas e afro-caribenhas. As participantes afirmaram que seguem na defesa de uma vida sem violência e da igualdade de direitos e oportunidades, e destacaram que suas pautas permanecem como compromissos centrais.

AUTOR: INFORMA RONDÔNIA





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