Informa Rondônia Desktop Informa Rondônia Mobile

PERSPECTIVA BERADEIRA
Karatê e Masculinidades: uma reflexão para além Dojo

🛠️ Acessibilidade:

Um olhar crítico sobre justiça, respeito e a presença feminina no karatê como caminho para transformar práticas históricas de dominação masculina dentro e fora do dojo

Por Rafael Ademir - segunda-feira, 15/12/2025 - 11h03

Facebook Instagram WhatsApp X
Conteúdo compartilhado 72 vezes

Sociólogo, Doutor em Desenvolvimento Regional, Coordenador do Laboratório de Estudos em Populações Negligenciadas (Afya Porto Velho) e professor permanente do PPG em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente (UNIR).

Para quem não me conhece pessoalmente, eu sou faixa preta de Karatê, praticante desde os 14 anos de idade e hoje com 39 anos começo a organizar alguns pensamento que até alguns anos atrás estavam dispersos em minha mente, inclusive me levando a diminuir drasticamente minha participação em eventos, organizações e até mesmos treinos de Karatê. Vou escrever este texto trazendo dois elementos da filosofia que o karateca deve buscar praticar em sua vida. Este texto é o que está girando em minha mente neste momento de reaproximação física e espiritual da prática do karatê enquanto uma arte marcial e filosofia de vida.

O primeiro é o quinto fundamento do Niju-kun (vinte fundamentos do karatê): O Karatê Permanece ao Lado da Justiça [Hitotsu, karate wa, gi no tasuke], onde o karateca deve se posicionar contra as injustiças e a favor da justiça, questionando-se sempre: isto é correto? Isto é o justo? Isto é mais ético, mais humano? E buscar sempre um caminhar na vida que seja o mais próximo possível do que é ético, humano, justo.

O segundo elemento está presente no Dojo-kun: Respeito acima de tudo [Reigi o omonzuru koto]. O Dojo-kun são os princípios do que deve ser praticado dentro do espaço de treinamento (dojo) e o aqui citado fala sobre respeitar as pessoas que estão praticando karatê junto com você, manter uma postura gentil e honrada. Daqui pode-se pensar que o respeito está restrito ao que no ocidente chamamos de “tatame”, mas não, como diz o Niju-kun em seu oitavo fundamento O Karatê Vai Além do Dojo [dojo nomino karate to omou na] ou seja, tudo aquilo que é praticado no karatê enquanto prática física ou marcial deve ser levado para sua vida como um todo.

Nestes 25 anos de prática eu tive/tenho muitas reflexões que levo para minha vida, vou escrevendo sobre elas pouco a pouco de acordo com a demanda da existência me trouxer necessidade de revisá-las. Agora vou focar nas duas citadas acima: inclusive tentarei romper com um pensamento dentro do Karatê mantendo o respeito, que é o fundamento que citei.

O karatê, graças à sua herança oriental e do século passado (na verdade sua história remonta à Índia do século 15), traz em seu bojo elementos machistas e de dominação masculina. Alguns pontos: a maioria dos faixa-preta de alto grau (dan) são homens, os veneráveis mestres (Shomen) são todo homens e as federações/associações de karatê são essencialmente comandadas por homens.

Este cenário tem influência do Ocidente cultural também: artes marciais é coisa de menino ao passo que balé é coisa de menina. Graças aos movimentos femininos este cenário tem se modificado e hoje em dia há cada vez mais mulheres ocupando espaços de comando (político, administrativo) e de direção de Clubes (Kan), ministrando aulas de karatê.

Já vi vários casos: de alunos que aceitam ordens de faixa preta homem e não de faixa preta mulher (mesmo ela sendo de um grau maior), de pessoas suavizando casos de machismo e até mesmo de abuso praticado por karatecas de outros grupos/associações. Fato é que eu nunca vi algo ocorrer dentro dos espaços que eu convivi e quando/se ver farei o que tenho feito em minha vida, denunciar, me afastar e me associar a outro grupo que estuda/pratica o Karatê. Mas a dominação masculina na estrutura social chamada karatê (do mundo, do Brasil, de Rondônia) é presente nesses e noutros exemplos/traços.

Assim, vou usar o karatê como microcosmo para que possamos expandir para a sociedade como um todo, em outros espaços. É fundamental que os homens que estejam no poder nesses lugares reconheçam a herança histórica que vai além de seu mérito pessoal, somos mais homens faixa-preta porque historicamente ocupamos este espaço.

Partindo deste ponto, é fundamental que começamos a criar um espaço saudável para que mulheres/meninas possam participar dos Dojos e mais, que elas sejam incentivadas à ocupar espaços de poder dentro desses espaços – somente com mulheres ocupando espaços legítimos de poder e decisão que iremos diminuir a potencialidade do karatê funcionar como vetor para machismo, misoginia e violência contra a mulher. Cursos, debates, códigos de ética são importantes (fundamentais), mas acredito que as mulheres estando com acesso ao poder simbólico e político junto dos homens que estaremos indo em um caminho saudável para um novo Karatê.

O outro – categoria epistemológica fundamental da Antropologia – é usado sempre como espaço de aprendizagem sobre si. Ao menos que você haja como o colonizador, visando destruir ou subjulgar o outro, é fundamental que ter espaço para o diferente dentro dos grupos sociais seja forma de ampliar o aprendizado sobre si mesmo. No caso que aqui falamos, não são os homens faixa-preta que falarão sobre como combater o machismo, mas eles devem apoiar mulheres faixa-preta fazendo o mesmo. O outro é contraponto à mudança, daí todo mundo visando buscar a tal diversidade: desde as escolas até as grandes corporações internacionais, a diversidade é ponto de mudança, de identificar fraquezas do grupo e outros pontos positivos.

Convido as Confederações de Karatê do Brasil para pensarmos linhas específicas de atuação para colocar as mulheres no esporte/arte marcial e iniciar uma mudança cultural naquilo que tem de injusto em nossa história.

Como dizemos em nosso Dojo “vida é movimento” só os mortos param de aprender e se aprimorar, cabe à nós, os vivos, mudarmos o que está aí hoje. Karatê é movimento, vida é movimento, tudo é avançar.

Avante sem esmorecimento. Oss.

AUTOR: RAFAEL ADEMIR





COMENTÁRIOS: