Do aço e fumaça das fábricas às promessas do trabalho remoto, a luta pela redução da jornada é uma tentativa contínua de resgatar o tempo que o labor consome
Desde os primeiros tempos em que o aço e o fogo se uniram nas fábricas, a jornada de trabalho se ergueu implacável sobre a vida dos homens e mulheres do labor. Braços moídos, olhos sem sono, a vida contada em horas extenuantes e sem fim. No limiar da Revolução Industrial, surgiam as primeiras vozes, roucas e quase inaudíveis, clamando por um sopro de alívio, por ao menos um tanto de descanso. O cenário era de trabalho bruto, máquinas a cuspir fumaça e poeira a todo vapor. E nesse ambiente, homens e mulheres começaram a erguer-se em resistência, pedindo menos horas, desejando um retorno ao que ainda restava de humano sob o peso das engrenagens.
Com o tempo, o sussurro virou grito, e o grito se espalhou pelos rincões dos países industrializados. No fim do século XIX, já havia sindicatos, já havia greves, e o clamor das massas cruzava o Atlântico, ecoando na Europa e na América. Em 1886, a greve de Chicago, violenta e decisiva, trouxe ao mundo o ímpeto pela jornada de oito horas e fez do Primeiro de Maio um marco eterno da luta operária. Era como se o trabalhador reclamasse para si o direito ao tempo que lhe fora roubado, afirmando que a vida não se media apenas no suor dado ao trabalho, mas no ar que se respira e no espaço de se viver.
O século XX trouxe conquistas firmadas em lei e instituídas em tratados. A criação da Organização Internacional do Trabalho em 1919, ao adotar a jornada de oito horas, reconheceu a necessidade de regulamentar a labuta para além do simples cálculo econômico, prevendo o bem-estar e a dignidade dos operários. Décadas depois, a Grande Depressão trouxe consigo novas regulamentações, como a Fair Labor Standards Act nos Estados Unidos, que fixou a jornada semanal de 40 horas e delineou um novo padrão de trabalho. Em vários cantos do mundo, buscava-se ajustar o tempo para garantir uma vida menos atada ao fio da exaustão.
Nos anos 1970 e 1980, em alguns países da Europa, como França e Alemanha, iniciaram-se experimentos com semanas de trabalho ainda mais curtas. Era uma tentativa de responder aos desafios do desemprego e da saturação do modelo industrial, adaptando a jornada às novas realidades do setor de serviços. Em solo francês, a implantação da semana de 35 horas nos anos 1990 representou uma das experiências mais ousadas, revelando a possibilidade de um sistema que respeitasse o limite do corpo e da mente sem perder o prumo da produtividade.
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Veio o século XXI, e a luta pela redução da jornada ganhou novas cores. O trabalho remoto, a gig economy e as inovações tecnológicas trouxeram a promessa de flexibilidade, mas também o risco da dissolução do tempo de descanso, do engolir das horas. Para muitos, a liberdade de gerenciar o próprio horário foi acompanhada pelo peso de não desligar, pelo esmaecimento da linha que separa o tempo do labor do tempo do viver. A exaustão continuava presente, apenas mudando de feição, como um cansaço mais sutil, mas igualmente insidioso.
Hoje, quando se fala em semanas de quatro dias ou jornadas diárias de seis horas, são muitos os olhos que veem além da economia; o que se busca é uma vida que não sucumba ao relógio. Estudos recentes na Islândia, por exemplo, demonstraram que reduzir as horas de trabalho pode trazer satisfação sem comprometer a produtividade. No Japão, experiências semelhantes indicam que a redução do tempo laboral se alinha com o bem-estar, sugerindo que o velho clamor por menos horas ainda carrega fôlego e razão.
A psiquiatria do trabalho vê essa busca como um escudo para a sanidade, uma tentativa de afastar o peso que anula o pensar e o sentir. Em demasia, o trabalho fere a mente, descostura o homem, e o que deveria ser dignidade vira peso que esmaga. A psicologia social nos lembra que essa exaustão não está só no indivíduo, mas infiltra-se na casa, nas relações, no tecido invisível que une o sujeito ao seu mundo. No vazio das casas, nas ausências e distâncias, percebem-se os ecos da jornada que nunca termina.
Assim, a luta por jornadas mais curtas é como uma velha caminhada por veredas tortas e longas. Mais que uma demanda econômica, é a afirmação de que a vida não é apenas a soma de horas dadas ao labor. Em cada conquista por um dia menos pesado, há uma tentativa de devolver ao trabalhador o direito de respirar, de existir além da máquina. É um clamor antigo, que segue vivo entre dias claros e escuros, uma esperança de que o tempo de trabalho permita, enfim, um tempo para viver.
[Pintura: VECELLI, Tiziano. Sísifo. 1548-1549. Óleo sobre tela, 237 cm x 216 cm. Museu do Prado, Madri, Espanha.]
AUTOR: VINICIUS MIGUEL